O que faz um professor sem colocação?

Este ano, milhares de professores não tiveram colocação e muitos deles tiveram de arranjar outra actividade para se sustentar. Cláudia decidiu fazer bonecas, Andreia criou uma oficina para pais e filhos e Gonçalo vai inaugurar uma surf house.

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Andreia Coelho, 33 anos, lançou um projecto próprio Fotos: João Cordeiro
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Cláudia Pinto Praça trocou as aulas de Francês pela produção de bonecas
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Gonçalo Silva deu prioridade a uma escola de surf

Cláudia Pinto Praça dava aulas desde os 22 anos e quando soube que não tinha sido colocada, em 2012, apenas pensou: “O que é que eu vou fazer com este tempo livre?” A professora de Português e Francês começou a fazer bonecas para a filha de quatro anos, hobby que mais tarde se iria tornar no seu negócio. “Foi a partir da reacção dos meus amigos que decidi vender [bonecas] através de uma página no Facebook.” Apesar de ter começado em Março de 2013, em Setembro ainda voltou a concorrer, mas sem sucesso.

Após alguma pesquisa descobriu a pedagogia Waldorf e decidiu aplicá-la na educação da filha. Esta pedagogia aposta na liberdade de desenvolvimento das crianças, valorizando nos primeiros sete anos de vida o aspecto sensorial, em detrimento do intelectual.

Cláudia utilizou essas mesmas bases para elaborar as bonecas. Segundo essa pedagogia, as bonecas têm de ser simples e feitas de forma artesanal, para que a criança se familiarize com o mundo natural e aprenda a reconhecê-lo. Cláudia utiliza apenas materiais naturais: algodão ou malha de algodão, lã de carneiro e flanela, sendo tudo comprado a produtores nacionais em lojas na Baixa de Lisboa.

“Gostava muito de dar aulas, mas nunca tive uma escola fixa, mudava todos os anos”, diz. Como as condições lhe desagradavam, brincava dizendo que devia reformar-se e “montar um negócio com os amigos, mas ligado às crianças”. Só que nunca ganhou coragem para o fazer. Considera que o facto de não ter sido colocada foi o empurrão de que precisava para se lançar nesta nova actividade, que comporta mais riscos, por não ter remuneração fixa, mas que está a ter mais sucesso do que esperava.

Agora o local de trabalho é a sala de estar e a principal ferramenta é uma máquina de costura portátil. Tem uma rotina mais flexível, uma vez que não existe um horário fixo, começando o dia de trabalho depois de deixar a filha na creche e terminando quando a vai buscar. Por vezes trabalha à noite e ao fim-de-semana, organizando-se consoante as encomendas que tem, gerindo “em função da urgência que as pessoas têm”. O tempo que cada boneca demora a fazer depende muito: a mais simples leva entre quatro a cinco horas e as mais elaboradas precisam de mais do que um dia.

Quanto às regras da pedagogia´, admite que não segue tudo à risca. “Já fiz piratas, sereias e fadas, que partiram de pedidos especiais.” Contudo, uma característica que cumpre é o facto de ter bonecas correspondentes a cada etapa do crescimento da criança. Fraldinhas, Bebés Estrela e Bebés Redondinhos são alguns dos nomes das suas criações. Os preços variam entre os 15 e os 35 euros, dependendo do modelo escolhido, dos tecidos e dos pormenores que o cliente quer.

Enquanto professora, tanto podia ganhar cerca de 600 euros trabalhando 12 horas semanais, como cerca de 1000 euros quando tinha o horário completo. Agora não tem um rendimento fixo, dependendo das encomendas. “Penso que o valor mensal ficará sempre abaixo do salário de professora, mas as preocupações e o stress também”, assinala Cláudia.

Este ano lectivo voltou a concorrer, não tendo conseguido colocação e tenciona concorrer no próximo também, mas admite não ter grandes expectativas em ficar colocada. “Por enquanto ainda não tenho saudades, porque tenho estado a apreciar uma vida sem horários rígidos e com mais tempo para a família.” Sente que tem tido um retorno “carinhoso” por parte dos clientes, algo que antes não sentia como professora. Mesmo que consiga colocação irá tentar conciliar as duas coisas.

Alternative Toys é o nome do negócio (http://www.alternativetoys.pt) e espelha precisamente o que faz: bonecos alternativos.

Um sistema limitador
Andreia Coelho, de 33 anos, está contente por já não dar aulas. “Que alívio, não pelos meus alunos, porque tinha uma excelente relação com eles, mas pelo que o sistema me fazia sentir.” Era professora de Matemática do 2.º ciclo há 12 anos e admite que tem saudades, “mas estava muito cansada das limitações a que estava sujeita”. Sentia que o sistema de ensino a limitava, pelo facto de estar condicionada a um programa e de ter tempos para cumprir. Para dar a volta à situação dedicou-se a dar explicações e decidiu colocar todo o seu empenho em criar algo novo, um projecto só seu.

Como gosta muito de crianças, e manteve o contacto com alguns dos alunos, decidiu que esse projecto seria precisamente virado para eles. O objectivo do negócio, explica, é melhorar a comunicação entre pais e filhos, abrindo as mentes para questões que fazem parte da vida de qualquer pessoa.

A ideia surgiu da sua última direcção de turma, até porque já estava a desenvolver este trabalho em Educação para a Cidadania. Nessas aulas, lia livros aos alunos e analisavam a história, criando debates sobre o que tinham aprendido com o texto. A partir daí conseguia aperceber-se do que cada aluno pensava sobre determinado tema.

Mas o novo projecto, que está já na fase de conclusão e pronto para ser lançado ainda neste mês, não se vai basear apenas em livros. Vai envolver uma horta biológica, caminhadas pela serra de Sintra, aulas de ioga, passeios de bicicleta, artes decorativas, meditação, aulas de surf e workshops de culinária. O objectivo principal é através destas actividades melhorar a relação familiar. Andreia explica que ainda não se debruçou sobre os preços, porque ainda está a delinear pormenores.

Os encontros serão feitos semanal ou quinzenalmente, dependendo da disponibilidade tanto dos pais como dos filhos. “Cada dia abordamos um tema diferente. As crianças vão ficar numa sala e os pais noutra.” Os temas são os do dia-a-dia como “a amizade, o amor, as doenças, a família, a importância da alimentação, a relação deles com a escola ou com o trabalho”. Pretende ainda abordar “determinados preconceitos, valores e crenças”.

Andreia acredita que “todos devemos ser livres” e quer que cada criança tenha a possibilidade de ser ela própria. "[Mas] não adianta trabalhar com as crianças se não trabalharmos com os pais, o que interessa é o trabalho conjunto, respeitando o limite e o espaço de cada um.”

Ao falar das alterações que a sua rotina sofreu confessa que não tem nada a ver, é muito calma: “Tenho mais capacidade para criar, ter ideias novas e sonhar. E estou mais disponível, para mim e para outros.” Precisamente por isso não pretende voltar a concorrer, estando mais feliz com a vida que tem agora.

Instabilidade? Só nas ondas
Depois de ter sido professor de Educação Física durante dez anos, Gonçalo Aleman Silva, de 36 anos, teve de mudar a sua vida. Conta que não ter sido colocado foi a melhor coisa que lhe aconteceu e explica que sentiu felicidade, porque considerava frustrante o facto de ao fim de tantos anos de dedicação ao ensino ainda ser um professor contratado e não ter estabilidade nenhuma na carreira profissional, sendo essas razões que fundamentam a decisão de não voltar a concorrer.

Praticante de surf e bodyboard desde 1991, o  objectivo agora é partilhar a experiência e vivência do surf e o estilo de vida da modalidade. O local onde vive há oito anos é precisamente um dos paraísos do surf, a Ericeira. Conta que agora tem mais liberdade e força para se dedicar a 100% à escola de surf e bodyboard, a Action Waves Portugal.

A escola iniciou actividade em 2000. As aulas são dadas em locais como a Praia Grande, Carcavelos, Costa da Caparica e Ericeira. Os alunos são sempre levados para a praia onde estiverem as melhores ondas. Inicialmente havia aulas apenas aos fins-de-semana e nas férias. Agora que tem mais tempo livre Gonçalo estendeu-as também para os dias de semana.

“Sentimos que somos uma equipa especial, pois, além de possuirmos todos os certificados e cursos no campo do surf e educação física, somos apaixonados pelo que fazemos”, refere. Trata os alunos como se fossem filhos, dedica-se totalmente em transmitir os conhecimentos. E o facto de finalmente poder fazer o que realmente gosta fá-lo mais feliz do que nunca.

Além de agora ter mais tempo para si, pode agora dedicar-se ao que o “preenche”: “Como por exemplo o meu novo projecto.” É um projecto ligado à escola que consiste em fazer uma espécie de hostel e surfcamp. A ideia principal é acolher surfistas, mas também receberá “quem queira usufruir do ambiente único e natural da Ericeira”.

“Foi sempre um sonho meu ter um hostel. Desde muito cedo fiz várias viagens para surfar (surftrips) pelo mundo e quando vim morar para a Ericeira achei que era o sítio ideal para ter uma espécie de surfcamp, uma vez que tem as melhores ondas da Europa.” Pretende inaugurar o hostel em meados de Maio e explica que “vai estar aberto a toda a gente, sejam ou não amantes de surf”. Além das dormidas, vão fornecer pacotes de aulas de surf e de ioga, acompanhamento local e passeios turísticos.

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