Oliveiras portuguesas vão dar-se bem com subida da temperatura abaixo dos dois graus

Estudo projecta os efeitos das alterações climáticas nas oliveiras da bacia mediterrânica até 2050, para um cenário em que a temperatura do ar aumentará até 1,8 graus Celsius de média anual. À primeira vista, Portugal sairá beneficiado.

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A oliveira é uma espécie resistente à seca Daniel Rocha

Que impactos terão as alterações climáticas nas oliveiras da bacia mediterrânica, onde actualmente se produz 97% das azeitonas de todo o mundo? Uma equipa de cientistas italianos foi à procura de uma resposta, incluindo pela primeira vez a interacção entre a cultura da oliveira e um dos seus principais inimigos, a praga da mosca-da-azeitona, num mundo sujeito a alterações do clima. Resultado: até 2050, com uma subida da temperatura média anual da temperatura até 1,8 graus Celsius face à medida da década 1960, Portugal e Espanha estarão no lote dos países em que a produção de azeitona conhecerá um aumento.

Que impactos terão as alterações climáticas nas oliveiras da bacia mediterrânica, onde actualmente se produz 97% das azeitonas de todo o mundo? Uma equipa de cientistas italianos foi à procura de uma resposta, incluindo pela primeira vez a relação entre a cultura da oliveira e um dos seus principais inimigos, a mosca-da-azeitona, num mundo sujeito a alterações do clima. Resultado: até 2050, com uma subida da temperatura média anual do ar até 1,8 graus Celsius face à média da década de 1960, Portugal e Espanha estarão no lote dos países em que a produção de azeitona irá aumentar.

Mas a realidade tem sempre nuances, pelo que os impactos do aumento da temperatura nas oliveiras em Portugal não serão assim tão lineares, como conclui ainda o estudo da equipa de Luigi Ponti, da Agência Nacional para as Novas Tecnologias, Energia e Desenvolvimento Económico Sustentável italiana, em Roma, publicado esta segunda-feira na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences.

Embora se preveja que as oliveiras gostem dessa subida de temperatura em todo o país — o que se deverá traduzir num aumento da produção de azeitonas de Norte a Sul em 2050 face à produção e aos preços de 2000 —, tal não significa vá haver lucros em todo o lado. Isto porque as pragas são muito sensíveis à temperatura e à humidade e a mosca-da-azeitona (Bactrocera oleae) não é excepção.

O Sul de Portugal já é quente no Verão e a mosca-da-azeitona morre quando o calor aperta. Mas o Norte do país é actualmente mais fresco do que o Sul, por isso a subida da temperatura no futuro dará a esta praga margem de progressão.

Trás-os-Montes menos beneficiado
Assim sendo, ainda que também no Norte de Portugal se espere que as oliveiras passem a produzir maior quantidade de azeitonas no futuro, a mosca-da-azeitona passará igualmente aí a atacar mais os frutos da oliveira. Feitas as contas, os lucros por hectare deverão descer no Norte e subir no Sul, onde os níveis de infestação se deverão manter mais ou menos iguais aos actuais e onde já hoje o Alentejo é o maior produtor de azeitona do país.

“Na Península Ibérica, incluindo Portugal, a tendência geral projectada pelo nosso cenário climático aponta para o aumento das produções, sem alterações dos níveis de infestação dos frutos pela mosca-da-azeitona, e um aumento dos lucros”, sintetiza Luigi Ponti para o PÚBLICO as principais conclusões do estudo. “Em determinadas áreas de Portugal, os lucros aumentarão devido ao aumento da produção, que compensará a subida dos custos de controlo [da praga] e a descida da qualidade do azeite, ambos resultantes de maiores níveis de infestação”, explica ainda o investigador italiano. “No entanto, apesar dos aumentos da produção, os lucros descerão no Norte de Portugal devido ao aumento da infestação.”

Mas olhando para o território português a uma escala ainda mais pormenorizada, antecipa-se que muitos dos olivais mais pequenos não conseguirão sobreviver, tal como aliás noutras regiões do Mediterrâneo: “A uma escala mais fina, os impactos económicos não serão uniformes e aumentará a taxa de abandono de pequenas propriedades agrícolas em áreas marginais da bacia do Mediterrâneo — propriedades que, além de rendimento, fornecem importantes serviços ao ecossistema, como a conservação do solo e da biodiversidade e a prevenção dos incêndios florestais”, sublinha Luigi Ponti.

“Na União Europeia, incluindo Portugal, a viabilidade das pequenas propriedades agrícolas ficará mais comprometida pelas políticas de subsídios que favorecem os sistemas de produção intensiva de azeitona, menos sustentável ecologicamente, embora o enquadramento político esteja a mudar”, acrescenta o investigador. “Muito provavelmente, pequenos olivicultores com um importante papel ecológico — por exemplo em Trás-os-Montes — irão abandonar os seus olivais durante o actual regime de subsídios, por isso serão os primeiros a ser atingidos mesmo pelos mais pequenos impactos climáticos.”

Presente em toda a bacia do Mediterrâneo, a mosca-da-azeitona provoca quebras na produção e na qualidade do azeite: as fêmeas picam as azeitonas, depositando lá dentro os ovos, de onde saem as larvas que comem a polpa do fruto. As azeitonas não só perdem peso como oxidam pela entrada de ar no seu interior (os azeites serão mais ácidos, com menos qualidade).

Quanto às conclusões do estudo no resto da bacia mediterrânica, globalmente o impacto económico das alterações climáticas na produção de azeitona e de azeite será “mínimo”, resume o investigador. “Não se espera que a produção na bacia mude com o aquecimento global: exceptuando o Médio Oriente, a produção aumentará na Grécia, Turquia, Balcãs, França, Itália, Península Ibérica e Norte de África. Em toda a bacia, haverá um aumento de 4,1% da produção total”, lê-se no artigo científico. Em relação aos lucros, conclui-se que também a Grécia, Turquia, Balcãs, França, Itália e o Norte de África sairão beneficiados. Mas no Médio Oriente, a olivicultura passará a dar prejuízo, neste caso devido a quebras na produção.

Para este estudo, a equipa partiu do pressuposto de que a temperatura subiria no máximo dois graus Celsius até meados deste século face à média da década de 1960, baseando-se num dos cenários futuros para a emissão de gases com efeito de estufa (o cenário A1B, que aponta para um desenvolvimento económico rápido mas menos dependente dos combustíveis fósseis que produzem os gases responsáveis pelo aquecimento da Terra).

Num mundo até dois graus mais quente, pensa-se ainda ser possível lidar com os impactos das alterações do clima. “É provável que ocorra este nível de aquecimento na bacia mediterrânica, entre 2030 e 2060”, considera Luigi Ponti, acrescentando que está agora a fazer um estudo com modelos climáticos mais refinados à escala regional. “Estamos a preparar uma nova avaliação do sistema da oliveira no Mediterrâneo usando dados produzidos por múltiplos modelos climáticos regionais.”

Estes novos resultados deverão permitir uma visão mais aperfeiçoada do olival num Mediterrâneo mais quente, para se perceber melhor o futuro de uma cultura com tanta tradição.

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