Já leu as condições de utilização da nova aplicação do seu smartphone? Claro que não

A maioria dos utilizadores aceita as condições de utilização ou regras de confidencialidade das novas aplicações sem as ler. Especialistas dão ideias para contornar este problema.

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As aplicações dos smartphones podem recolher muitos dados privados do utilizador Jason Lee/Reuters (arquivo)

Ninguém ou quase ninguém leu as condições de utilização ou regras de confidencialidade antes de instalar uma aplicação no seu smartphone. A grande maioria das pessoas, apenas “aceita as condições”. Mas há quem esteja a discutir alternativas para que a utilização destas aplicações seja mais justa.

Quando inicia uma conta no Gmail, o utilizador tem de aprovar 16 páginas de condições de utilização e de confidencialidade. No iPhone, tem de se passar 20 ecrãs do telemóvel para terminar de ler as condições de utilização do eBay. Muitas vezes, estas condições são aceites de uma forma cega e os utilizadores esquecem-se delas logo a seguir, embora sejam estas normas que governam de uma forma permanente a recolha, o uso e a disseminação da informação pessoal.

Quem é que sabe que o jogo Angry Birds ou aplicações que transformam o iPhone numa lanterna de bolso recolhem os dados da localização do telemóvel, para fins publicitários?

Para provar como o sistema actual é ineficaz, a empresa PC Pitstop escreveu em 2005, nas suas condições de utilização, que ofereceria mil dólares à primeira pessoa que lesse o documento. Demorou quatro meses até que um utilizador se apercebesse do pormenor – segundo a empresa, a pessoa em questão recebeu a recompensa. De facto, estas regras, redigidas por um jurista, podem servir mais para proteger as empresas do que os utilizadores.

“Às vezes os consumidores beberam um copo, ou têm um bebé nos braços”, explica à AFP Jules Polonetsky, director do Fórum sobre o Futuro da Privacidade (Future of Privacy Forum). O problema, segundo ele, é uma questão de design, da própria concepção das aplicações. Os longos contratos podem ser, em parte, substituídos por notificações curtas e pontuais no momento em que os dados pessoais são recolhidos pela aplicação, acrescenta. O iPhone já utiliza este sistema com a geo-localização.

Por outro lado, nem todos os dados pessoais têm a mesma importância: alguma informação é muito sensível e é necessário que o utilizador dê o consentimento explícito (fotografias, contactos, informações bancárias…), mas não é necessário o mesmo tipo de atenção em relação a outros dados. O objectivo é que os avisos sejam mais raros mas que produzam uma decisão verdadeiramente informada.

“Devemos determinar, de uma forma muito prudente, quais as situações que nos fazem parar com um símbolo, um sinal, uma luz que acenda ou uma vibração, daquelas que basta estarmos informados”, sugere Jules Polonetsky.

Os gigantes da Internet estão conscientes que ninguém lê as regras de confidencialidade deles, e que isso mina a relação de confiança com os utilizadores.

Ilana Westerman, directora-geral do gabinete de design Create with Contex, trabalha com a Yahoo! e com outras empresas para criar ícones, logotipos, sons ou luzes que informem os utilizadores – e que os assegurem em relação às políticas da empresas – sem aumentar a navegação. “A maior parte dos profissionais responsáveis pela confidencialidade das empresas vêm dos serviços jurídicos, eles também deveriam participar no desenvolvimento dos produtos”, defende.

O desafio é evitar os momentos em que se fica “com o pêlo eriçado”, quando um utilizador descobre, estupefacto, que acabou de partilhar publicamente uma fotografia sua no Facebook ou uma outra informação.

Mas as leis actuais formam um obstáculo a essa transição. “Se a Microsoft quisesse fazer notificações limitadas, que aparecessem em determinados momentos, penso que as autoridades que regulam [estes processos] dos dois lados do Atlântico, não o permitiriam”, diz, por sua vez, Fred Cat, que liderou um grupo de trabalho que tinha como objectivo actualizar os princípios fundamentais sobre a protecção da vida privada, que foram adoptados pela OCDE em 1980.

O especialista está a trabalhar com outros investigadores e com a Microsoft em novas directrizes que proíbam alguns métodos abusivos das empresas mas, ao mesmo tempo, que promovam mais flexibilidade no resto. “O objectivo é parar de pôr a responsabilidade aos ombros do utilizador ao exigir que ele clique por baixo de um longo texto, que acaba por permitir uma utilização impressionante dos seus dados”, explica Fred Cat.

Por enquanto, não há consensos. O “Eu aceito” maquinal dos donos dos smartphones deverá perdurar por muitos anos.

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