Segurança Social: Eixos de intervenção para uma reforma futura

O sistema de Segurança Social português apresenta um conjunto de limitações que o tornam ineficiente. Com efeito, resultado das sucessivas e, em muitos casos, descuidadas alterações legislativas, o sistema apresenta-se extremamente complexo, gerando iniquidades, quer quando para situações iguais atribui prestações distintas, quer ainda quando atribui a cidadãos com rendimentos elevados prestações sociais destinadas a erradicar situações de pobreza.

De igual forma, resultado da sua complexidade, da dificuldade no cruzamento de dados e da morosidade na área da justiça, o sistema é difícil de controlar, conduzindo, por um lado, a níveis significativos de pagamentos indevidos e, por outro, a que a relação entre administração pública e contribuintes/beneficiários seja pouco ágil e transparente. Por fim, num contexto económico e demográfico desfavorável, a sustentabilidade intertemporal do sistema não se encontra assegurada, tanto mais que as pressões do lado da despesa se vão acentuando.

Em face do exposto, torna-se urgente desenvolver uma reforma profunda no sistema de Segurança Social, a qual terá de ser, simultaneamente, estrutural, na medida em que implica alterações no quadro legal e uma reengenharia completa da estrutura que gere o sistema, e global, uma vez que não pode incidir apenas nas pensões de velhice, devendo abranger todas as prestações e transferências.

Urge, assim, simplificar o quadro legal, tornando-o, simultaneamente, eficiente, compreensível e operacional. Neste contexto, importa harmonizar os diferentes conceitos de agregado familiar actualmente existentes num conceito único de relação familiar, bem como criar um único conceito de condição de recursos, evitando-se situações em que um individuo é “pobre” para uma prestação social e “rico” para uma outra. Acresce, ainda, a necessidade de se criar, no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania e em substituição das inúmeras e muitas vezes “sobrepostas” prestações, uma prestação social única para situações de carência e uma outra para situações de deficiência.

Em segundo lugar, importa reorganizar e modernizar a estrutura que suporta o funcionamento do sistema através, nomeadamente, da fusão e extinção de institutos públicos, bem como da dinamização de um planeamento integrado das actividades e da reengenharia de processos, assentes numa estrutura informática robusta, segura e eficiente. Com efeito, entende-se vantajoso proceder à unificação de alguns dos institutos num único instituto, centralizando nos serviços de administração directa do Estado as tarefas referentes ao controlo orçamental global, contratação pública e processamento salarial.

Paralelamente à necessária reorganização da estrutura do ministério e ao desenvolvimento de um relacionamento rápido e ágil entre ministérios, bem como à clarificação das diversas competências, importa proceder a uma verdadeira reengenharia de processos, associando-a a uma profunda alteração da cultura organizacional, traduzida na valorização de medidas que reforcem o “conhecimento organizacional”, em detrimento do “conhecimento individual”. A aposta definitiva na informatização do sistema é também essencial, num cenário em que se observa uma significativa redução dos recursos humanos.

Em terceiro lugar, é igualmente essencial desenvolver os mecanismos técnicos e legais de controlo das prestações e transferências, reforçando ainda a comunicação rápida, transparente e completa entre os serviços da Segurança Social e o cidadão, a qual só é possível através da simplificação de conteúdos comunicacionais e de uma formação contínua dos trabalhadores que, directa ou indirectamente, articulam com o cidadão. Paralelamente, importará apostar na educação para a cidadania, proporcionando, em particular junto dos mais novos, o desenvolvimento da consciência cívica relativamente às matérias da Segurança Social.

Por fim, a reforma da Segurança Social deverá passar inevitavelmente pelo reforço da sua sustentabilidade e da sua equidade, devendo esta desenvolver-se a dois níveis. Por um lado, é necessário garantir que situações idênticas tenham tratamento idêntico (equidade horizontal), podendo este objectivo ser atingido se, por exemplo, no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania, i) todas as prestações e transferências ficarem sujeitas a condição de recursos; ii) o rendimento de referência para atribuição das prestações tenha em consideração o denominado “rendimento adequado”; e iii) o valor das prestações a atribuir seja calculado com base no diferencial entre o rendimento de referência e o rendimento “ponderado” do beneficiário e não assuma um valor fixo como acontece actualmente, evitando-se desta forma as situações que desincentivam a participação no mercado de trabalho.    

Por outro lado, o princípio da coesão intergeracional (equidade vertical) terá de ser assegurado, em particular ao nível do Sistema Previdencial, através do alinhamento dos benefícios com o esforço contributivo, com particular incidência nas pensões de velhice e sobrevivência em formação e em pagamento, sendo que, no caso das pensões em pagamento, os eventuais ajustamentos deverão ser diluídos ao longo de alguns anos, atentos aos recursos disponíveis no Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (cerca de 12.000 milhões de euros) e à necessidade de minimizar os efeitos negativos sobre as expectativas formadas e sobre o nível de vida dos pensionistas.

Em conclusão, entende-se que os eixos de intervenção para uma reforma que se apresentam, ainda que exigentes, permitirão assegurar, para as actuais e futuras gerações, níveis de protecção compatíveis com o exigido a um país que se quer justo e desenvolvido. Haja agora coragem para os discutir e implementar. 

Professor da Universidade Lusíada e antigo vice-presidente do Instituto de Segurança Social

Sugerir correcção
Comentar