Casal português que ficou sem os cinco filhos em Inglaterra já foi libertado

O casal foi detido sob a acusação de tentativa de rapto dos filhos e libertado sob caução. Secretário de Estado das Comunidades fala em “razões muito pouco sólidas” para Carla e José Pedro terem ficado sem os seus cinco filhos em 2013, por decisão do tribunal inglês.

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Daniel Rocha

O casal de emigrantes portugueses em Inglaterra, a quem os filhos foram retirados em 2013, foi detido esta sexta-feira de manhã e libertado ao fim do dia sob caução, ficando impossibilitado de sair do país e obrigado a apresentar-se regularmente na esquadra de Grantham, no Lincolnshire, onde reside desde 2003. Carla e José Pedro estão a ser acusados de planear o rapto de três dos seus cinco filhos, que vivem há quase um ano em famílias de acolhimento. Em declarações ao PÚBLICO, o secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, considerou que “as razões que o Tribunal de Família invocou [para a retirada das crianças no ano passado] são muito pouco sólidas”.

O PÚBLICO questionou a polícia de Lincolnshire sobre o que motivou a detenção mas não obteve qualquer resposta até ao fim do dia. Já em casa, Carla Pedro contou que os dois foram detidos por quatro agentes da polícia antes das 7h00 da manhã e levados para a esquadra, enquanto a casa foi revistada durante várias horas. A polícia confiscou os computadores e telemóveis, além de apreender os documentos e passaportes de ambos Carla e José Pedro. Ambos estão sob investigação e têm de se apresentar na esquadra em Maio.

Sobre a retirada dos filhos do casal Pedro, o secretário de Estado das Comunidades diz que, “embora seja dito que a lei britânica está a ser respeitada”, o caso está a ser objecto de “uma análise jurídica atenta e cuidada”. Só depois Portugal irá considerar fazer “uma diligência junto das autoridades britânicas”.

As crianças são de nacionalidade portuguesa, de acordo com os pais. “Seja como for, estão sujeitas às leis locais do ponto de vista do Direito Internacional”, afirma José Cesário. “O Estado local é obrigado a dar-nos a informação solicitada. Tem dado algumas mas não todas as que nós necessitamos”, acrescentou o secretário de Estado, garantindo que o Consulado de Portugal em Manchester e a embaixada estiveram ontem a fazer diligências para encontrar um advogado português para dar assistência ao casal. O mesmo não aconteceu quando Carla e José Pedro fizeram um pedido de assistência jurídica enquanto decorria o processo no Tribunal de Família, entre Abril e Dezembro de 2013.

Dos Serviços Sociais de Lincolnshire County Council, chegou ontem a informação de que não seria dado nenhum esclarecimento, solicitado para perceber se no processo constavam indícios de maus tratos ou negligência contra os pais. “O caso é confidencial. Não podemos dar pormenores sobre casos individuais que dizem respeito à protecção de menores”, disse John Giblin, do gabinete de imprensa.

Tanto Carla Pedro como o marido trabalharam durante vários anos no sector fabril na zona onde moram, no Lincolnshire, tendo ela deixado de trabalhar por razões de saúde. O marido continua a trabalhar. Até Dezembro, o casal recebeu, como muitas famílias com filhos no Reino Unido, apoios correspondentes ao abono de família, que lhes garantiam um rendimento mínimo.  

O PÚBLICO sabe que, no processo, não constam sinais de agressões ou abusos dos filhos, a não ser uma referência a uma queixa do filho mais velho, de 23 de Abril, que desencadeou o processo. Nesse dia, o rapaz disse à psicóloga (que o acompanhava na escola, por ser uma criança hiperactiva) que o pai o tinha agredido. A psicóloga contactou os Serviços Sociais. E, nessa mesma tarde, elementos da polícia e dos Serviços Sociais do Lincolnshire County Council entraram na casa da família portuguesa e, sem aviso e sem ordem do tribunal, levaram as crianças. O rapaz, mais tarde, retirou a queixa e disse que tinha mentido.

Dos cinco filhos do casal Pedro — de três, cinco, sete, 12 e 14 anos —, os dois mais pequenos foram colocados para adopção. Os pais estão autorizados a vê-los uma hora de dois em dois meses, desde Dezembro, quando a juíza do Tribunal de Família decretou a retirada das crianças por “risco futuro de dano emocional”. Basearam-se na queixa do filho mais velho e também referiram que os pais não teriam condições para cuidar das crianças, diz José Cesário. E considera: “Só isso, não tem substância.”

A polícia e a lei

John Hemming, deputado dos liberais-democratas na Câmara dos Comuns, pelo círculo de Birmingham, não conhece o processo em detalhe, mas diz ser “totalmente plausível” a polícia ter agido apenas em função da queixa do rapaz. É frequente a polícia e os serviços sociais agirem à mínima suspeita, mesmo quando ela não se confirma, acrescenta este político britânico.

Também é frequente a polícia agir sem ordem do tribunal, como aconteceu quando entrou na casa desta família portuguesa. A lei prevê que o possam fazer “apenas em circunstâncias extremas”, mas, em muitos casos, segundo diz John Hemming ao PÚBLICO, “a polícia não age em função da lei”.

Nesta entrevista, John Hemming avança números: “Por ano, em Inglaterra, há mais de mil crianças erradamente adoptadas. E em 2013, cinco casais, em média, por semana, foram detidos ou presos (mais de 250 no ano inteiro), acusados de desrespeito pelo tribunal, por falarem publicamente dos processos de que foram alvo”, diz. Quando isso acontece, ficam entre duas semanas a dois anos presos.

Sabine Kurjo McNeill, activista da associação de apoio às famílias McKenzie Friends, e uma das pessoas que apresentaram na quarta-feira na Comissão de Petições do Parlamento Europeu uma petição a pedir o fim da adopção sem consentimento dos pais no Reino Unido, acredita que Carla e José Pedro foram detidos por terem divulgado a sua história nos media, incluindo o PÚBLICO, esta semana, a propósito dessa sessão do Parlamento Europeu.

Black-out nas redes sociais

Esta activista lembra que, quando Carla Pedro lançou apelos nas redes sociais chamando a atenção para o caso, foi intimada a retirar as fotografias dos filhos que tinha colocado no Facebook sob pena de ser presa. Na intimação escrita a que o PÚBLICO teve acesso, era dito expressamente que, em circunstância alguma, “de forma pessoal ou através de outra pessoa”, podia ela “divulgar informações sobre as crianças” ou qualquer informação relativa “à sua identidade ou local onde se encontram”.

Também foi intimidada “a retirar da sua página no Facebook” e de qualquer outra rede ou página na Internet informações que tinha sobre os filhos.

Também por isso, Sabine Kurjo McNeill receia que o casal seja condenado, acusado de desrespeito pelo tribunal, por ter falado a alguns meios de comunicação sociais portugueses, como o PÚBLICO. “É provável”, considerou John Hemming, a partir de Londres. Este deputado tem sido das poucas vozes políticas a insurgirem-se contra o que diz ser “o secretismo dos tribunais de família” e um “sistema desequilibrado que funciona, na maioria das vezes, em prejuízo dos pais”.

 

Notícia actualizada às 22h30 com a informação da libertação do casal. 

 

 

 

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