Chegar aos 30

Chegar aos 30 é saber que já muito se fez e que muito há ainda por fazer. É praticamente o meio-termo entre a loucura da juventude e a circunspecção da vida adulta

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Kim Kyung-Hoon/Reuters

Não faço anos hoje, nem amanhã nem sequer para o mês que vem. Ainda assim, há aniversários a toda a hora à minha volta e, como diz o povo, ninguém está a ficar mais novo. Eles, como eu, estão a aproximar-se perigosamente dos trinta anos – aquela idade que, em miúdo, achava eu que já se estava acabado para a vida. Que já se começavam a fazer os planos para a reforma. Que ter trinta anos era a fronteira da estabilidade: a partir daqui, cuida-se dos filhos, entra-se às nove e sai-se às seis e os dias pouco passam disto. Naturalmente, estava redondamente enganado.

É certo que os tempos mudaram demasiado desde o início dos anos noventa para cá, mas hoje, chegar aos trinta parece-me o maior desafio das nossas vidas. É a era do tudo ou nada. Em que olhamos para trás e as conquistas nos parecem sempre poucas. Apontamos, por isso, os binóculos para a frente e observamos as miragens das ambições de sempre. Se não for nesta década, dizemos ingénuos a nós mesmos, podemos esquecer. Aos quarenta já se é velho para ter sucesso, julgamos.

Chegar aos trinta é um inchar peito à espera que as balas não nos acertem. É tomar fôlego apesar de não haver muito oxigénio ao dispor de quem tenta inspirar. É achar que os anseios e desejos hão-de tocar à campainha sem ter de esperar muito para que lhes abramos a porta.

Chegar aos trinta é temer o falhanço e, ainda assim, fazer uma lista do que ainda se espera. Como se fosse a derradeira década. Quero filhos, quero emprego, quero dinheiro, quero sucesso, quero ser amado, quero ir às ilhas Virgens, quero descobrir a fórmula da Coca-Cola, quero compor um “hit” mundial, quero escrever coisa mais bela que o Cântico dos Cânticos, quero marcar golos melhores que o Ronas, quero ter a minha cara por toda a Nova Iorque. Quero, quero, quero. Menos que isto é zero.

Chegar aos trinta também é assistir às primeiras cedências anatómicas. É ver os cabelos agarrar na trouxa e partir para longe. Os que ficam decidem fazer um “extreme makeover” e, aos poucos, empalidecer. Aqui e acolá, mais um branco para a colecção. É também perceber que a gravidade é a força mais poderosa do universo e que a flacidez também pode ter o seu quê de belo. Chegar aos 30 é um relembrar de que a idade é o temporizador da não existência: quanto mais avança, menos falta para se ir desta para melhor.

Chegar aos 30 é ver alguns amigos já casados, de recém-nascidos nos braços, mostrando ao mundo que os projectos de vida são reais e, embora nunca sejam lá muito planeáveis, são verdadeiramente realizáveis. É ver que à nossa volta, o que sobra são os solteiros exigentes e os pavores do compromisso. É apreciar as evoluções e conquistas dos nossos mais íntimos com sincero orgulho e secretíssima inveja.

Chegar aos 30 é saber que já muito se fez e que muito há ainda por fazer. É praticamente o meio-termo entre a loucura da juventude e a circunspecção da vida adulta. Acima de tudo, chegar aos trinta é não querer ter os trinta de mais ninguém.

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