O território dos portugueses que fazem arquitectura social "é o mundo inteiro"

Exposição de 33 projectos no Garagem Sul do CCB, que inaugura na sexta-feira, quer lançar novo tema na conversa sobre a emigração destes profissionais.

"Tanto Mar" estará no CCB até 20 de Julho
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"Tanto Mar" estará no CCB até 20 de Julho Daniel Rocha
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Quando pensamos em arquitectos portugueses a trabalhar no estrangeiro, a mente viaja com eles num de dois caminhos – o das estrelas e seus trabalhos de grande projecção, pontas de lança do sonho da internacionalização da arquitectura portuguesa, e o dos profissionais que emigram em busca de trabalho. Mas na Garagem Sul do Centro Cultural de Belém (CCB), há um caminho que é Tanto Mar que desagua numa terceira via, a da arquitectura social.

A nova exposição mostra a partir de amanhã e até 20 de Julho 33 projectos de diferentes gerações de arquitectos – são os Portugueses Fora de Portugal do subtítulo da mostra, que trabalham em nome próprio ou em ateliers de várias dimensões e que se agruparam de forma orgânica. Tudo começou, explicou um dos comissários de Tanto Mar, Tiago Mota Saraiva, do Ateliermob, por “questões pessoais”. Há três anos, chegavam tantas notícias de arquitectos “forçados a emigrar”, como se lê na folha de sala da mostra, que a equipa sentiu necessidade de reflectir sobre o tema. O mais recente inquérito à profissão, de 2013, confirma que 4,4% dos arquitectos portugueses emigrou, sobretudo para países da União Europeia (51,4%) e para os PALOP (18,9%), e o levantamento do Conselho dos Arquitectos da Europa dizia que em 2012 Portugal é o terceiro país da Europa a 25 que tem mais arquitectos a trabalhar no estrangeiro.

Mas o Ateliermob não queria investigar a dimensão e perfil da emigração da arquitectura portuguesa, porque não queria falar de arquitectos, mas de arquitectura – muito no espírito da próxima Bienal de Veneza, cujo director, Rem Koolhaas, tem reiterado ser “sobre arquitectura e não sobre arquitectos”. A plataforma multidisciplinar respondeu à open call lançada pelo CCB em 2012 para novos projectos, conseguiu 25 mil euros de apoio da Direcção-Geral das Artes, e em 2014 reflecte já sobre outra coisa.

“No início era uma ideia muito em torno dos arquitectos que emigraram”, mas acabou com o objectivo de “produzir conhecimento que possa ser útil cá”, diz Tiago Mota Saraiva. Trata-se de “divulgar o trabalho de portugueses fora de Portugal, as suas metodologias de trabalho e de processos”, como disse aos jornalistas Dalila Rodrigues, administradora do CCB, mas também de “inverter a percepção da internacionalização”, mostrando ideias, possibilidades e necessidades no campo da arquitectura social e inspirar Portugal – e, em última análise, diz Tiago Mota Saraiva, tentar que alguns destes arquitectos “fiquem com um pé cá”. Muitos deles só se vão conhecer entre si, e aos comissários, amanhã à noite na inauguração.

A exposição é uma série de módulos azul-mar, numerados e igualitários. Como cabines de voto, no seu interior produz-se uma visão da arquitectura portuguesa no estrangeiro que tem Tanto Mar quanto a música de Chico Buarque que a inspira – e que é uma espécie de conversa sobre Abril e a liberdade entre portugueses, um no Brasil, outro na terra mãe. O azul do mar chegou de forma orgânica aos comissários do Ateliermob – além de Mota Saraiva, são eles Andreia Salavessa, Carine Pimenta, Guida Marques, Mariana Simões, João Almeida e Inês Afonso. Após um apelo aos arquitectos, chegaram dezenas de projectos ao site do Ateliermob, que encontrou “um tronco comum” a muitos deles, o da arquitectura social – que assenta em projectos participativos, vindos das comunidades ou intervencionados por arquitectos, mas também de origem institucional, que visam impactar os contextos sociais em que se implantam.

O Ateliermob seleccionou os projectos do século XXI, concretizados ou em vias disso, que estão agrupados em cinco grandes temas, da arquitectura Informal à Formal, passando pelo Urbano e pelos contextos mais expectáveis da arquitectura social – a de Emergência, em cenários de catástrofe natural ou guerra, e a de Escassez, quando os meios são reduzidos. E neles encontrou “uma litoralização”, espelhada no mapa que encima a exposição e que tem muito a ver com a concentração urbana junto ao mar, também ela a pedir azul marinho, assinala Mota Saraiva.

Cada um dos temas é apoiado por vídeos e neles cabem escolas secundárias em Angola (Cristina Salvador e Fernando Bagulho), a inventariação das roças em São Tomé (Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade), museus (José Castro Caldas) e trabalhos em favelas do Brasil (Filipe Balestra, João Amaral, Manuela Tamborino e Miguel Saraiva, entre outros), centros comunitários na Indonésia (João Bentes) ou mercados de rua em Londres (Mariana Pestana), além de projectos na Somália, Quénia ou Namíbia. Variedade, porque há que contrariar o “estigma” de que a arquitectura social, uma das grandes questões do momento da profissão – e, como assinala Tiago Mota Saraiva, tema premiado com os Leões de Ouro das últimas duas edições da Bienal de Veneza – “é algo que se faz em África ou na América do Sul”. Aqui, o “território é o mundo inteiro”.

E o que a equipa quer frisar é a ideia de partilha, que constará do site que continuará a coligir projectos deste género durante a exposição, e que Carine Pimenta resume: “o mais importante é poder ver este tipo de trabalho a ser feito cá e aprender com alguns processos feitos lá fora”. “Cá cada vez mais é necessário esse tipo de trabalho”, completa Andreia Salavessa, com Guida Marques a exemplificar que “em Portugal as pessoas perderam o sentido do que é o espaço público e há coisas tão mínimas nestes projectos que conseguem melhorar o espírito de uma comunidade de uma forma incrível. O espaço é público, mas passa a ser delas”.

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