Nokia com Android pode ser estratégia "demasiado arriscada" para a Microsoft

Francisco Jerónimo, analista da IDC, diz que a reviravolta estratégica da Nokia, que lançou telemóveis com Android, pode ajudar esta empresa, mas deixa a Microsoft numa situação delicada.

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Prestes a ser integrada na Microsoft, a Nokia apresentou no final do mês passado os telemóveis X, os primeiros da marca equipados com Android. É uma estratégia surpreendente, afirma ao PÙBLICO, Francisco Jerónimo, director de pesquisa da IDC, numa entrevista realizada à margem do Mobile World Congress, no final do mês passado, em Barcelona: “Não conheço nenhuma empresa que tenha usado o sistema do principal concorrente para alavancar os seus próprios produtos”.

Os novos telemóveis foram mostrados exactamente três anos depois da aposta no Windows Phone, que não deu os frutos esperados. Neste período, a Samsung conseguiu destronar a finlandesa no topo do mercado. A nova líder, diz Jerónimo, tem agora de ter cuidado com os fabricantes chineses, que apostam em produtos baratos.

Faz sentido para a Nokia lançar telemóveis com Android?
Para a Nokia, faz. O Windows Phone não está a vender como eles estavam à espera e não permite chegar a determinados níveis de preço, de que a Nokia precisa para continuar a crescer. Nos próximos anos, a grande maioria do mercado vai crescer nos segmentos mais baixos. Por exemplo, 90% dos telemóveis vendidos na Índia são Android. Claramente, não há outra forma que não seja vender Android. A Nokia criou aqui um produto que, embora não seja o verdadeiro Android do Google, permite vender um telefone que dá aos utilizadores aquilo que eles querem [já depois desta entrevista, a imprensa indiana noticiou que a Microsoft estava a oferecer o Windows Phone a fabricantes locais].

E a estratégia faz sentido para a Microsoft?
O problema é perceber como é que isto se insere na estratégia da Microsoft. Em 2011, as razões apresentadas pela Nokia para adoptar o Windows Phone foram as correctas. Mas não tinha de o adoptar em exclusividade. Se a Nokia tivesse adoptado tanto o Android como o Windows Phone, tinha tido a possibilidade de obrigar a que Google e Microsoft concorressem para estar nos telemóveis da Nokia. Na altura, ainda era o maior fabricante mundial. O que a Nokia não estava à espera era que a Microsoft demorasse tanto tempo a desenvolver o sistema operativo. Agora, a Microsoft está a lançar um sistema operativo próprio, a promovê-lo junto de novos parceiros, mas ao mesmo tempo está a permitir que a empresa que adquiriu para ser o grande motor de crescimento do Windows Phone use o sistema do principal concorrente. Não conheço nenhuma empresa que tenha usado o sistema do principal concorrente para alavancar os seus próprios produtos. É uma estratégia ou muito inteligente ou demasiado arriscada. Se a Nokia for bem sucedida com o Android, como é que a Microsoft vai vender o Windows Phone aos fabricantes? Como é que vai dizer à Samsung para investir no Windows Phone?
 
O Windows Phone, que é vendido quase só pela Nokia, ainda vai a tempo de ser uma terceira alternativa com algum peso?
A Apple e a Samsung dominam o mercado. Para a Nokia, não há grande questão neste momento. É avançar com o X [os telemóveis com Android] e ver os resultados, que provavelmente vão ser positivos.

É razoável pensar que a Microsoft abandone este sistema?
É possível. A Microsoft está a transformar-se numa empresa de serviços. Se o objectivo é fazer dinheiro no Office, nas aplicações empresariais e em tudo o que está a lançar em serviços, o objectivo é idêntico ao que o Google está a fazer na publicidade: expandir para novos sistemas operativos. O Google também disponibiliza os Google Maps no iOS, da Apple. A Microsoft pode abandonar a estratégia de tentar dominar a plataforma e passar a tentar dominar os serviços em todas as plataformas. Mas isso tornava-a totalmente dependente do Google. Lançar um Nokia com Android foi uma decisão tomada sob a liderança do Steve Ballmer. E o próprio Ballmer admitiu que não era a pessoa indicada para liderar a empresa. Mas permitiu que a Nokia desse uma volta de 180 graus na estratégia sem que o novo CEO tivesse uma palavra nisso. 

A Samsung ultrapassou a Nokia e tornou-se líder muito rapidamente. Quais os grandes desafios que tem ao estar na frente?
O grande desafio da Samsung é reter a base de utilizadores. Eles compraram quota de mercado. Ou seja, investiram milhões para incentivar os pontos de venda a venderem produtos Samsung e para oferecer excelentes campanhas aos operadores. A probabilidade de um consumidor entrar numa loja de telemóveis e sair com um Samsung é extremamente alta. Mas não quer dizer que um utilizador compre um Samsung e fique tão satisfeito como quem compra um iPhone. Os telemóveis da Samsung são bastante atractivos, têm funcionalidades inovadoras, mas a experiência de utilização ainda não é... É essa a diferença em relação à Apple. É muito difícil alguém dizer que o iPhone funciona mal. O utilizador pode achar o ecrã demasiado pequeno, pode preferir outras coisas, mas reconhece que o iPhone funciona bem. Actualmente, a maior parte das pessoas que já comprou telemóveis Samsung está a olhar para uma potencial substituição desse telemóvel. Se gostaram, vão continuar na marca. Se não, vão procurar uma alternativa. E este é um ponto crítico. Se os utilizadores virem que há fabricantes, como a Huawei e outros fabricantes chineses, que oferecem uma experiência de utilização que se calhar não é tão avançada, mas é boa o suficiente para não ser preciso gastar 500 ou 600 euros num telefone topo de gama… Os fabricantes chineses, que apostam na qualidade a preço baixo, são a grande ameaça para a Samsung. 

A Samsung e várias outras empresas estão a apresentar os chamados wearables. Tecnologia que se pode usar como um acessório. A Samsung apresentou três novos relógios. Há mercado para esta nova categoria?
Os wearables são uma extensão do smartphone que vai simplificar a nossa vida. Quando tenho um relógio que me permite tirar fotografias, ver as notificações, alertar para uma chamada – tudo sem ter de tirar o telemóvel do bolso –, isso é melhorar a experiência com a tecnologia. Não é por acaso que vemos tantas empresas a lançar estes produtos. As vendas de smartphones vão abrandar significativamente nos próximos anos. A taxa de penetração já é alta. E a Samsung não pode perder uma tendência de mercado, como aconteceu a algumas empresas no passado. É preferível lançarem os produtos e, se a categoria não se tornar forte, abandoná-la, do que chegar tarde. Isto foi o que aconteceu à Nokia, à Motorola, à HTC. Ficaram à espera de ver o que acontecia e, quando acharam que valia a pena, já era tarde de mais.

O jornalista viajou a Barcelona a convite da Samsung

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