Um patrão austero de fato, gravata e charuto

Filho do fundador, geriu a empresa nos tempos de sucesso, mas também no momento do declínio, com diversos conflitos com os trabalhadores. Agora está preso.

Joaquim José Teixeira da Silva, o senhor José como era tratado pelos trabalhadores, vestia fato preto, gravata, camisa branca. Fumava charuto.

Homem de poucas palavras, habitualmente fazia a ronda à produção de mãos atrás das costas. Tecido mal aproveitado poderia dar desconto no salário. O empresário, filho do fundador da Califa, com pouca escolaridade, percebia do negócio, sabia do ofício. Conhecia os cantos à fábrica, tratava dos moldes, investia em publicidade. Todos anos, dava duas camisas Victor Emanuel aos funcionários homens, uma no Natal, outra na Páscoa.

“Era austero – quero, posso e mando – era só trabalho e nada mais, não mostrava os dentes a ninguém e que ninguém lhe pusesse os olhos em cima”, recorda Margarida Resende, ex-trabalhadora que entrou com 11 anos na Califa, onde ficou 45 anos e onde aprendeu a fazer com gosto uma camisa do princípio ao fim. Foi delegada sindical, lutou pelo direito das mães operárias amamentarem os filhos, pelo direito aos plenários. “Durante anos, dava-nos dois contos a mais no ordenado, que não passava do salário mínimo, para não exigirmos os direitos”.

O suplemento deixou de constar nos pagamentos e a luta dos operários começou. As encomendas aumentavam, as oito horas por dia não chegavam. Havia turnos e os sábados também eram dias de trabalho. “Pagava a dobrar, mas depois deixou de o fazer”. E, apesar de tanto trabalho, não se viam investimentos na maquinaria e havia sítios da fábrica onde chovia. “As máquinas eram obsoletas, mas a Califa não descurava o marketing, a publicidade que fazia às camisas Victor Emmanuel em revistas, em programas de televisão que patrocinava, em placards na rua”, revela a ex-operária.

 Em 2001, o empresário criou a marca Lion of Porches, que acabaria por ser vendida em 2007 à têxtil Cães de Pedra de Guimarães, já na fase negra da fábrica, de dívidas e passivos acumulados. A Califa passou por vários processos de insolvência e de recuperação, até ao último, em Setembro de 2012, que ditou o fecho da empresa. Em Novembro de 1997, avançou-se com um processo especial de recuperação. Dez anos depois, novo processo de insolvência. Em Abril de 2008, a Califa passava para as mãos da sociedade Artlabel Industry, SA.

Isabel Tavares, do Sindicato dos Trabalhadores do Sector Têxtil de Aveiro, acompanhou a agonia da Califa. Chegou a ser chamada de urgência à empresa porque os trabalhadores tinham decidido suspender a produção sem qualquer aviso. Nos últimos anos, sucederam-se pré-avisos de greve que funcionavam para que a banca desbloqueasse verbas para pagar salários. “As reuniões só se realizavam em condições extremas, não havia abertura ao diálogo para encontrar soluções”, lembra. A dirigente sindical recorda um patrão de poucas palavras e que jamais admitiu o fim do negócio. “Nunca disse que ia fechar a fábrica”.

Hoje, com 73 anos, Joaquim José está preso em Custóias há quase um ano e dois meses. Neste momento, aguarda pela resposta do tribunal sobre o pedido de prisão domiciliária, feito no início de Agosto do ano passado pelo advogado que contratou um dia depois de ter sido preso. Uma perícia psiquiátrica concluiu pela sua imputabilidade. O seu advogado já pediu uma nova perícia, uma vez que o empresário está doente, dependente fisicamente.

A 12 de Julho de 2012, o Tribunal de São João da Madeira condenou o patrão da Califa a três anos de prisão por fuga ao fisco e ao pagamento de 2,5 milhões de euros, acrescidos de juros de mora, ao Estado. O tribunal fez contas. “O arguido repetiu a sua conduta criminosa 22 vezes no espaço de três anos no caso do IVA, e 20 vezes no caso das retenções na fonte de IRS, no espaço de cerca de dois anos”. A Justiça descreve uma “personalidade persistentemente insensível a valores básicos de vida em sociedade”. “Nada foi suficiente para travar o arguido e a sua gerência, fazendo ponderar e rever a sua estratégia empresarial seguida, a qual, a dada altura ficou basicamente assente na sustentação da actividade empresarial à custa de impostos não pagos”, lê-se na sentença.

No início de 2004, as declarações periódicas de IVA da Califa eram entregues, mas os correspondentes montantes ficaram por pagar. De Outubro de 2004 a Outubro de 2007, a empresa não pagou 2,7 milhões de euros ao Estado. As dívidas começaram a acumular-se. Entre Julho de 2006 e Abril de 2008, ficaram por entrar nos cofres do Estado 368 mil euros relativos ao IRS. Em julgamento, o empresário alegava que não possuía poderes de gestão à data dos factos, que com um plano de insolvência em curso estava impedido de proceder aos pagamentos aos seus credores relativamente a créditos já vencidos, que não tinha recursos financeiros para pagar as dívidas, assegurando que não tinha possibilidade de recorrer à banca por não ter activos que servissem de garantia.

Mas Joaquim José já tinha “cadastro”. Era reincidente e o tribunal não esquecia esse facto. Em Novembro de 2010, o dono da Califa foi condenado a um ano e oito meses de prisão, com pena suspensa por três anos e seis meses, por um crime de abuso de confiança. Neste processo, a dívida calculada à Segurança Social era de 780 mil euros. 

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