"As Forças Armadas estão serenas mas não estão submissas", diz Lima Coelho

Milhares de militares das Forças Armadas manifestaram-se em protesto contra o corte de rendimentos e pensões, numa marcha lenta e quase silenciosa excepto quando se cantava a Grândola, Vila Morena.

Fotogaleria
As alunas do Instituto de Odivelas quebraram o silêncio da manifestação Enric Vives-Rubio
Fotogaleria
Estudantes entoaram palavras de ordem e canções Enric Vives-Rubio
Fotogaleria
Instituto de Odivelas está na eminência de fechar portas Enric Vives-Rubio
Fotogaleria
Protesto contou com a presença de militares de Abril Enric Vives-Rubio
Fotogaleria
Além dos habituais cartazes, manifestantes levaram bandeiras negras Enric Vives-Rubio
Fotogaleria
Protesto juntou associações de praças e de sargentos, além de oficiais da Marinha e da Força Aérea Enric Vives-Rubio
Fotogaleria
Entoou-se Grândola, Vila Morena em frente à Assembleia da República Enric Vives-Rubio

O presidente da Associação Nacional de Sargentos, Lima Coelho, advertiu no discurso em frente à Assembleia da República, que as Forças Armadas "estão serenas, mas não estão submissas", lembrando o momento em que, antes do 25 de Abril de 1974, se dizia que os militares também se encontravam serenos.

Milhares de militares das Forças Armadas manifestaram-se este sábado, em protesto contra o corte de rendimentos e pensões, numa marcha lenta e quase silenciosa em que foram exibidas bandeiras pretas, algumas faixas e muitas bandeiras de nacionais. O protesto, entre o Largo Camões e a Assembleia da República, simbolizou a indignação dos militares face à política de austeridade do Governo.

"As Forças Armadas estão serenas, mas não estão submissas nem submetidas às más vontades de quem quer que seja", declarou António Lima Coelho, na sua intervenção no final da manifestação. O dirigente anunciou a entrega, a "um representante da Presidente da Assembleia da República", de um documento com as principais preocupações dos militares das Forças Armadas

Resumindo o "estado de espírito" dos militares portugueses, Lima Coelho frisou que quando "se chega ao limite de terem que se manifestar" é porque "as coisas estão seriamente mal". E recordou Zeca Afonso: "Não nos obriguem a vir para a rua gritar porque está na hora de irem zarpar". 

Relativamente aos aumentos das contribuições para a saúde, a ADM, Lima Coelho afirmou que os subsistemas de saúde são e sempre foram autosustentáveis e acusou o Governo de querer tapar outros buracos orçamentais com o aumento destas contribuições. "O Presidente da República apercebeu-se de que a mentira já ia longe demais", declarou o representante máximo dos sargentos.

Lima Coelho chamou à atenção ao Governo para "não brincar com a língua portuguesa", destacando dois exemplos - a palavra "temporário" e "irrevogável", como sendo duas "tentativas de deturpar a língua e assim, justificar a má governação.

"Não baixemos os braços, nós sabemos que um acto só não resolve tudo, mas a continuidade dos actos pode levar à resolução dos problemas", apelava Lima Coelho, afirmando que todas as manifestações da sociedade portuguesa "são rios a fluir para o mesmo mar onde um dia nos vamos encontrar".

Numa intervenção anterior, o presidente da Associação de Praças, Luís Reis, destacou o aumento das situações de insolvência de militares em consequência dos cortes nos vencimentos e nas pensões, e deixou críticas ao ministro da Defesa, Aguiar-Branco, que recebeu os primeiros assobios e vaias dos manifestantes.

Luís Reis criticou as alterações aos regimes específicos dos militares, que disse constituírem um "ataque sem precedentes às Forças Armadas e aos militares que nelas servem". "E o ministro da Defesa e o Governo a que pertence têm feito alguma coisa para resolver esta situação?", questionou, suscitando uma reação de repúdio por parte dos manifestantes, que assobiaram Aguiar-Branco e o Governo PSD/CDS.  "As Forças Armadas servem Portugal, não servem o Governo", disse.

Luís Reis lembrou também aqueles que participaram numa "guerra que não era deles", os ex-combatentes, que vieram do ultramar com "sequelas físicas e psicológicas" e que agora são discriminados na prestação de cuidados de saúde.

As intervenções decorriam ao mesmo tempo que alguns militares "mais antigos" gritavam com indignação "gatunos"  e "os militares não são ladrões", pedindo a demissão dos governantes.

António Lima Coelho referiu-se à forma ordeira como decorreu a manifestação, desde o Largo Camões até à Assembleia da República, afirmando que os únicos degraus que os militares querem subir "são os degraus da Justiça". Por isso mesmo, os militares elogiaram, pela voz dos seus representantes, os elementos da polícia que se encontravam em serviço na escadaria da Assembleia da República, formando barreiras de segurança.

"Os militares foram os primeiros responsáveis pela Constituição da República que temos",  dizia o presidente da AOFA, Pereira Cracel, na sua intervenção, referindo-se à "prática governativa", que "desconjura a Constituição" -  "um documento que deveria ser uma biblía para os líderes políticos", continuou.

No seu discurso, Pereira Cracel enumerou as diversas situações que "vão afectando a vida profissional, mas também social e psicológica dos militares": a redução das remunerações, a "redução cega" de efectivos, as alterações à situação de reserva, a implementação de normas e procedimentos àquilo que já tinha sido contratuado, a dupla penalização nas reformas, a extinção do fundo de pensões, entre outras situações "de um processo de empobrecimento forçado". O que, nas palavras de Cracel, desmotiva e indigna os militares, provocando-lhes "sentimentos de revolta nada recomendáveis".

A manifestação da Associação dos Oficiais das Forças Armadas (AOFA) juntou Associações de Praças, Sargentos, ex-combatentes, colégios militares, com especial afirmação de um grupo de alunas do Instituto de Odivelas. Presentes também estavam militares de Abril, oficiais da Marinha e da Força Aérea, que se mostraram indignados com a situação a que o país chegou. Muitos reclamam que os cortes nas suas pensões chegam a ser de 1000 euros, sem contar com outras penalizações que afectam o rendimento mensal dos militares.

O protesto decorreu de modo pacífico e contou também com a solidariedade das famílias dos militares, que também têm sido afectadas com a política de austeridade. Os manifestantes traziam bandeiras negras, como sinal de descontentamento. Bandeiras como em nome da pátria. E outros símbolos militares, apesar de se apresentarem à civil. 

Os militares desfilaram praticamente em silêncio, que só foi quebrado pelas alunas do Instituto de Odivelas (IO), que, segurando rosas vermelhas, entoavam palavras de ordem e canções em protesto contra o anunciado encerramento da instituição. "Estas são as filhas da nação, já adultas podem crer, ansiosas por saber, se o IO tem solução", ouvia-se o coro feminino, composto por mães, jovens alunas fardadas, e "meninas de Odivelas".

Em direcção à Assembleia da República, o desfile saiu do Largo de Camões, em Lisboa, pelas 15h40, integrando militares que se deslocaram de todo o país. Apesar de numerosa, estima-se que o protesto tenha tido menos manifestantes do que a última de há 15 meses. A explicação reside, diz Lima Coelho, no facto de o Governo "tudo fazer para que as pessoas cada vez mais não possam deslocar-se".

O início da concentração foi marcado para as 15h, ouvindo-se a música E Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho, que foi a senha para a revolução do 25 de Abril. Na Assembleia da República, o protesto iniciou e encerrou com o Hino Nacional. Pelo meio cantou-se Grândola Vila Morena, ouviram-se canções do Zeca Afonso e repetiu-se E Depois do Adeus, num espiríto de camaradagem e, ao mesmo tempo, envolto num sentimento de "nostalgia de um bem perdido".

Sugerir correcção
Comentar