O banho falhado

Está naquela altura embaraçosa de Março em que decido vestir o fato de banho a ver se tomo o primeiro banho do ano.

As pernas estão brancas e rapam frio. Não estão habituadas a andar ao léu, por muito que a cabecinha persista em afirmar que nasceram selvagens, irrigadas pelo sangue quente que ferve na família há gerações.

Na praia há leitores de jornais entediados. Mal me vêem a atravessar o areal em direcção ao mar, arrebitam as atenções. Não há fiasco sem observadores.

Daquela gentaça toda ainda sou o único que penso que vou tomar banho. São cinco da tarde - adiei o momento da verdade quanto pude, isto é, até ser tarde de mais - e o sol já está a caminho da cama.

Estando a honra em jogo decido mergulhar mesmo que morra de frio. Quando os pés entram dentro de água verificam que ainda está mais gelada do que a nortada que me acossa as canelas.

A cor do mar é baça, o céu é deslavado e a areia atrás de mim, ainda quentinha do sol, torna-se o lugar mais atraente do mundo.

Basta-me ceder e recuar. Não recuo. Avanço. Avanço e começo a tremer. Faço de conta que estou apenas a inspeccionar o horizonte. Junto a mão à testa, como quem vislumbra. Agito a água como quem sabe o que está a fazer, medindo a salinidade.

Viro as costas e toda a minha força de vontade se concentra para eu não entrar numa corridinha cobarde. Os observadores riem-se para dentro dos jornais.

Volto para o carro com ódio à praia e areia nos pés. Porquê, santo Deus, porquê?

 

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