Acalmar Vladimir Putin deixa-me nervoso

O Ocidente ainda não percebeu que a realidade mudou. E para pior.

Na manhã da próxima segunda-feira, 17, quando o resultado do referendo na Crimeia for conhecido, os ministros dos Negócios Estrangeiros europeus vão reunir-se em Bruxelas e terão de decidir se avançam ou não com sanções contra Moscovo. Antes do referendo – que não inclui nenhuma pergunta na qual permite aos habitantes da Crimeia votar a favor da ligação à Ucrânia –, aquela região do mar Negro já declarou a sua independência, que Moscovo já reconheceu.

Na manhã de dia 17, as tropas e as unidades navais ucranianas na Crimeia, que têm estado cercadas por tropas russas sem identificação, poderão ser consideradas forças estrangeiras pelos novos senhores de Simferopol, a capital da região separatista. O que irá acontecer a esses militares, agora que Kiev já declarou que não responderá pela força à anexação de uma parte do seu território? Irão render-se? Serão expulsos? Serão presos?

Talvez esteja a aproximar-se o momento em que os líderes da União Europeia não terão alternativa a reconhecerem o que está a acontecer no Leste da Europa. No princípio da crise ucraniana, a chanceler Angela Merkel disse ao Presidente Obama que o líder russo, Vladimir Putin, estava “fora da realidade”. Na verdade, o que está a acontecer é que o Ocidente ainda não reconheceu que a realidade mudou, e para pior. As tentativas para fazer “desescalar” a crise ou para conduzir Moscovo ao diálogo com Kiev e mais genericamente a ideia de que é preciso “acalmar” o Kremlin pertencem ao domínio da doce irrealidade política em que os europeus gostam de viver.

O problema é que a outra parte mudou as regras do jogo. Se a União Europeia e o Ocidente não o reconhecerem, nunca conseguirão montar uma estratégia adequada para enfrentar um conflito longo e desgastante, que no imediato estão a perder. Se o Ocidente não for capaz de derrotar Moscovo, pode dizer adeus à sua credibilidade internacional e à paz na Europa. E Putin terá feito em cacos a ordem internacional do pós-Guerra Fria. A diplomacia e a cooperação global serão substituídas pela força e pelas esferas de influência. O polícia global, os Estados Unidos, ficará confinado à sua esquadra local.

Há muito mais do que a Crimeia em jogo na Crimeia. Mas o que quer então Vladimir Putin? A ex-secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, está entre os que comparam o pretexto da protecção dos russófonos para intervir militarmente ao nazismo. Esse padrão comum não é suficiente para dizer que Putin é como Hitler. Mas há outra comparação mais assustadora. Tal como na Alemanha nazi, a retórica da Rússia de Putin assenta na ideia da recuperação da grandeza de uma potência humilhada pela derrota – a União Soviética que perdeu a Guerra Fria. E não há nada de reactivo na política de Putin. Ele desencadeou a confrontação com a Ucrânia, impedindo-a de assinar o acordo com a União Europeia para forçar a sua integração na União Euroasiática, que é a pedra de toque da sua política externa. As fragilidades económicas e demográficas da Rússia poderão inviabilizar o êxito desta política no longo prazo, mas não vão impedir Putin de implementar esta estratégia.

Nada disto significa que estejamos a caminho de uma nova guerra fria. Isto significa, em primeiro lugar, que Vladimir Putin não tem medo nenhum do Ocidente. Ele compreendeu, por experiência própria, que, por trás da retórica dos direitos humanos e da condenação das políticas autoritárias de Moscovo, há uma passadeira vermelha estendida para lavar o dinheiro sujo dos milionários russos. E tem razão. A tibieza da resposta europeia ao que é uma anexação de facto da Crimeia e uma violação sem pudor das fronteiras ucranianas prova que Putin tem razão. Sim, ele pode fazer chantagem com o gás. Mas um estudo recente da Chatham House mostrava que hoje a Europa tem muito melhores condições para resistir a um boicote russo do que há cinco anos; e a Rússia precisa de vender o gás.

O que pode a Europa fazer? Em primeiro lugar, deixar de pensar no curto prazo – os negócios – e passar a pensar no médio e longo prazo – a política e as relações de poder, das quais dependem, em última análise, os negócios. Em segundo lugar, em conjunto, com Washington, montar uma estratégia consistente baseada em três pontos: apoiar a transição ucraniana, reconhecer a integridade das fronteiras da Ucrânia e fazer o necessário para obrigar a Rússia a fazer o mesmo. O que não é fácil, quando há um facto consumado na Crimeia. Ou mesmo sabendo que o novo poder ucraniano é frágil e permanece refém do poder dos oligarcas, que dominaram o país tanto no consulado de Iulia Timochenko como no de Viktor Ianukovich. No entanto, a resistência dos ucranianos à ameaça russa desencadeou a revolta da Maidan e pode levar a um reforço do sentimento de unidade nacional ucraniano. E é o direito dos ucranianos a serem uma pátria que deve estar à cabeça de todos cálculos políticos nesta crise. Essa coisa de acalmar Vladimir Putin é que nos devia deixar a todos muito nervosos. A mim pelo menos deixa.

Jornalista

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