Donos de empreendimento em Alvor vão mesmo ter de repor habitats destruídos

Tribunal confirma sentença anterior, que obriga à reposição integral dos habitats e das espécies protegidas destruídas com a construção da Quinta da Rocha. Proprietários prometem cumprir.

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Ria de Alvor é a zona húmida mais importante do Barlavento algarvio Enric Vives-Rubio/Arquivo

O Tribunal Central Administrativo do Sul confirmou a sentença que condena os proprietários da Quinta da Rocha, situada na ria de Alvor, em Portimão, a repor na totalidade os habitats destruídos na sequência de intervenções realizadas sem autorização naquele local da Rede Natura 2000, a rede europeia de habitats a preservar. A decisão já não é passível de recurso.

A empresa proprietária dos terrenos – a Butweel Trading, Serviços e Investimentos, detida pelo Grupo Imoholding de Aprígio Santos, conhecido construtor e presidente do clube Naval 1.º de Maio, da Figueira da Foz – fica também proibida de realizar trabalhos de mobilização de terras ou remoção do coberto vegetal no local, bem como de introduzir nos sapais qualquer tipo de maquinaria.

O acórdão dá como provada a existência de habitats e espécies protegidas e prioritárias na área ocupada pelo empreendimento turístico, dando razão à Associação Cristã de Estudo e Defesa do Ambiente e Outros – A Rocha, autora da acção. A decisão é de Outubro de 2013 mas só agora é que o processo transitou em julgado, sem que a empresa tenha recorrido.

A decisão repete a deliberação do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de Maio de 2012. Esta  concluiu que a empresa prejudicava a biodiversidade desde 2005 através da movimentação de terras, desmatação, enrocamento de pedras sobrepostas e colocação de gado no local. A Butweel Trading recorreu, alegando que os terrenos estavam há muito abandonados e que apenas agiu em defesa do ambiente.

Ao PÚBLICO, o gestor da Butweel, Joel Santos, respondeu por escrito que a empresa realizou, com o conhecimento da Câmara de Portimão, um estudo para “obter um cabal esclarecimento acerca da realidade biofísica da propriedade”, cujas conclusões foram “integralmente acolhidas”. Por isso, a Butweel decidiu não contestar a decisão do TCA Sul, a qual vai “cumprir na íntegra” realizando as intervenções “que ainda se mostram necessárias para a reposição dos habitats”.

Para Tiago Branco, da associação A Rocha, a decisão do tribunal é “uma vitória muito grande” porque "mostra que é possível acabar com a política do facto consumado". Segundo o acórdão, a Butweel Trading tem seis meses para apresentar ao Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve e à Câmara de Portimão um projecto para a reposição integral de todas os habitats destruídos na Ria de Alvor. Cabe agora a estas entidades avaliar o cumprimento da sentença para esta ser “real e efectiva”, lembra Tiago Branco.

A Ria de Alvor é a zona húmida mais importante do Barlavento Algarvio, situada entre os concelhos de Lagos e Portimão, com 1454 hectares que incluem um estuário, sapais, dunas, salinas e as penínsulas da Quinta da Rocha e da Abicada. Desde 2006 que as associações ambientalistas denunciam a destruição de salinas, de sapais e de espécies endémicas e prioritárias naquela zona.

Para o Grupo de Acompanhamento da Ria de Alvor, que inclui A Rocha e mais cinco associações ambientalistas, como a Liga para a Protecção da Natureza (LPN), esta condenação “poderá vir a ter um impacto muito significativo no direito ambiental português". A reposição dos habitats destruídos "é o único antídoto eficaz para impedir o avanço ilegal da construção em áreas protegidas”, lê-se num comunicado do grupo.

“Precisamos de repensar o território, e isso não significa apenas olhar para o que ainda não está destruído”, aponta João Camargo, da LPN, lembrando um caso recente em Espanha, onde o Supremo Tribunal ordenou a demolição de um empreendimento turístico na ilha de Valdecañas e a restituição dos valores naturais.

Notícia actualizada às 19h57: acrescenta reacção da Butweel


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