Uma rodela de vinil

Duo de trompete e bateria, num registo notável assinado por dois dos mais interessantes improvisadores nacionais

Se pensarmos num duo de trompete e bateria, dificilmente imaginamos um universo sonoro tão variado e completo como o que surge em Songs From My Backyard. Se é certo que na ficha técnica são creditados a Susana Santos Silva, para além do trompete e flugel, flauta e percussões, e a Jorge Queijo, para além da bateria e percussão, flauta e electrónicas, não deixa de ser um duo clássico de trompete e bateria. Com os restantes instrumentos a surgir como apontamentos ou efeitos sonoros, como é o caso dos apenas curiosos Aliens Arrival on Planet Earth e Não ‘Tou a Brincar, onde a electrónica é adicionalmente manipulada por Manuel dos Reis, a diversidade e profundidade do registo é dada pela expressividade que Santos Silva e Queijo arrancam do trompete e bateria. Logo no início, em Afre, tema marcado pela elegante rítmica afro de Queijo, Susana Santos Silva surge com um timbre claro e profundo, e um fraseado que evoca grandes mestres como Lester Bowie ou Bill Dixon, confirmando-a como um caso sério do jazz nacional. A trompetista, que alinha nas fileiras da Orquestra Jazz de Matosinhos e nos LAMA trio, ao lado de Gonçalo Almeida, tem feito um percurso notável, alcançando uma cada vez mais merecida visibilidade internacional. No segundo tema do disco, Monstro das Bolachas, o ambiente altera-se por completo. Queijo explora harmónicos e timbres diversos dos pratos da bateria, e Santos Silva fraseia lenta e calmamente, utilizando a surdina e evitando, de forma notável, qualquer tipo de cliché. Depois de Water Pipe, tema que funciona mais como ambiente de transição, baseado em técnicas extensivas de ambos os instrumentos, surge um dos pontos altos do álbum, Festa da Aldeia. Em tom celebratório, trompete e bateria alternam momentos de explosão, rítmica e harmónica, com trechos contidos em que Santos Silva fraseia com vulnerabilidade e delicadeza. Num LP de temas curtos, marcado por intensa comunicação musical, enorme criatividade, e uma visão estética que os coloca ao nível de alguma da mais interessante free music da actualidade, destaque ainda paraElefantes a Acasalar, Fucking Ballad e Asfixia. Um sinal inequívoco da enorme evolução e transformação da música nacional.

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