A voz delas, no digital

A tecnologia de ponta está hoje muito à frente das nossas necessidades quotidianas. Isso é tão verdade que é frequente não nos darmos conta de tudo o que temos ao nosso dispor tecnologicamente, a cada momento

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Suzanne Plunkett/Reuters

Ao contrário do que acontecia há 20 ou 30 anos, quando a vanguarda tecnológica (ainda que a preços exorbitantes e para um público restrito) era usada em raros instrumentos e equipamentos de uso pessoal e profissional — e, ainda assim, com retornos que implicavam um esforço relevante de integração do utilizador —, hoje temos a investigação e a tecnologia "state-of-the-art" muito à frente das nossas necessidades quotidianas.

Alguém fica maravilhado com ecrãs “touchscreen” de 10 pontos de sensibilidade? Quem é o homem que diz à mulher/namorada que o seu “smartphone” integra GPS e A-GPS com cartografia online para proporcionar os serviços localizados que permitem escolher o melhor restaurante da zona ou o caminho com menos trânsito para casa?

Se uma pessoa disser que criou o site da sua empresa em duas horas baseado num "hosting" gratuito e uma plataforma Wordpress (com "template" também gratuito) a custo zero, isso fará "cair o queixo" a alguém?

Na verdade, poderemos nem pestanejar ao saber de alguma das situações acima, porque já o esperamos e, ao mesmo tempo, sabemos que a investigação vai muito à frente e que as necessidades comerciais das empresas e do mercado (esse monstro!) obrigam a escoar produto de nível tecnológico pouco mais que mediado, sob pena de se perder a viabilidade financeira da investigação que suporta essa evolução.

O foco vira-se, portanto, para o UX/UI ("user experience/user interface") e para a utilidade e “agradabilidade” (esta palavra existe?) dos equipamentos, das plataformas de utilização, de tudo o que é suportado por via tecnológica, com o natural enfoque no design e na sua adaptabilidade e usabilidade por um leque, que se quer o mais amplo possível, de potenciais utilizadores.

Neste contexto, o "text-to-voice" e o "voice-to-text" têm vindo a entrar nas nossas vidas como facilitadores, permitindo a operação/controlo e interacção sem o recurso às mãos, dando um novo grau de liberdade ao utilizador.

Se, numa primeira fase, éramos capazes de gravar "n" vezes a nossa voz para ter "n" contactos passíveis de serem chamados por voz, hoje "isso já é coisa do passado" e esperamos que o “smartphone” reconheça a pessoa a quem queremos ligar pelo nome, mesmo sem nenhuma "voice tag" previamente gravada.

Do mesmo modo, as instruções recebidas por voz não se cingem à voz escolhida para o software de GPS, em que o vocabulário é reduzido e focado apenas nas indicações de direcção a tomar. Hoje, "o mínimo que se exige" é ter o “smartphone” como assistente pessoal, que fale e oiça como uma pessoa e depois cumpra como uma máquina, ou seja, que seja como um escravo obediente e sem humores.

Agora é que são elas

O cérebro humano e o comportamento que ele desenha é notável e está estudado e descrito que a compreensão e “agradabilidade” da interacção é maior com vozes femininas, por pessoas de ambos os sexos. Não é por acaso que, na esmagadora maioria dos casos, as vozes de atendimentos telefónicos automatizados sejam femininas.

Provavelmente, já não queremos interagir com a voz do Sonny (de "I, Robot"), do AUTO (de "Wall-E", ou mesmo os próprios Wall-E e EVE), do "Number 5" (do "Short Circuit", depois re-baptizado "Johnny 5"), do HAL 9000 (de "2001") e muito menos do R2D2 (de "Star Wars").

Assim aconteceu, com a maior facilidade, que a Siri entrou em casa de muitos utilizadores de equipamentos Apple (e tanto se especulou para saber quem era a pessoa por detrás daquela voz).

É assim, do mesmo modo, que a Cortana se propõe a ser a sua congénere nas plataformas Microsoft, para tudo o que seja receber pedidos e dar informação.

Estas personagens são hoje, numa primeira fase, apenas vozes. Mas não é difícil adivinhar que, a curto prazo, terão uma correspondência visual, feminina e tecnológica, para que homens e mulheres sintam o "empowerment real" ao mesmo tempo que têm uma experiência e interacção agradáveis, simples e intuitivas.

Claro, porque esta “agradabilidade” (ainda não me habituei a esta palavra!) é comum aos dois sexos, não se pense que é um mero fetiche masculino (que até o poderá ser, nalguns casos) ou algo/alguém como a Samantha (do filme "Her", de Spike Jonze), capaz de "conquistar o coração" do utilizador.

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