Contista americano George Saunders vence primeira edição do prémio Folio

A escolha do livro de contos Tenth of December é consistente com os objectivos de um prémio que quer distanciar-se da alegada deriva comercial do Booker.

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O escritor George Saunders DR

O ficcionista americano George Saunders ganhou a primeira edição do prémio Folio com o livro de contos Tenth of December. Com uma dotação pecuniária significativa – 40 mil libras (cerca de 48 mil euros), um júri de qualidade reconhecida e um âmbito que abarca toda a ficção de língua inglesa, independentemente do género literário ou do país de origem do autor, o Folio, financiado pelas edições do mesmo nome, ambiciona suplantar o prestígio do Man Booker Prize.

O prémio nasceu, de resto, em reacção ao que alguns meios culturais ingleses viam como uma deriva do Booker, que estaria a valorizar critérios de legibilidade e viabilidade comercial das obras em detrimento de juízos estritamente literários. E em 2011, quando a intenção de criar um novo prémio literário foi anunciada por Andrew Kidd, director da agência literária Aitken Alexander Associates, o Booker ainda excluía autores americanos, o que hoje já não acontece.

Se a intenção era marcar a diferença em relação ao Booker, George Saunders foi uma boa escolha: por ser um americano, por ser essencialmente um contista, e por ser autor de uma obra de reconhecida exigência formal e que tem na crítica ao consumismo, às multinacionais e ao papel desempenhado pelos media um dos seus temas principais.

Nascido no Texas, em 1958, mas criado nos subúrbios de Chicago, Saunders começou por se formar em Engenharia Geofísica antes de concluir um mestrado em Escrita Criativa na Universidade de Syracuse, no estado de Nova Iorque, onde hoje é professor. Trabalhou como engenheiro até 1996, precisamente o ano da sua revelação como escritor, com CivilWarLand in Bad Decline, um volume que reunia vários contos e uma novela que Saunders publicara anteriormente em revistas como a New Yorker ou a Harper’s.  

Em 2000, o autor repetiu a fórmula de um livro de contos seguido de uma novela em Pastoralia, e desde então publicou mais duas novelas – The Very Persistent Gappers of Frip (2000) e The Brief and Frightening Reign of Phil (2005) – e outros tantos livros de contos: In Persuasion Nation (2006) e o agora premiado Tenth of December (2013).

George Saunders, que nos últimos anos se tornou um adepto do budismo tibetano da escola Nyingma, recebera já diversos prémios literários e é considerado um dos grandes contistas contemporâneos de língua inglesa. Depois do Nobel da Literatura atribuído a Alice Munro, este prémio é mais um sinal da revitalização do conto, um género que vinha há muito perdendo terreno para o romance, mais prestigiado e, sobretudo, bastante mais vendável.

Financiado pelas edições Folio, especializadas em edições graficamente muito cuidadas de clássicos da literatura, este novo prémio tem um funcionamento complexo e original. Os seus promotores começaram por escolher uma centena de escritores e críticos, que formam a Academia Folio, responsáveis pela primeira triagem das obras candidatas. Cada um deles aponta, por ordem, os três livros de que gostou mais no ano em causa, uma votação da qual resulta um rol de 60 títulos, aos quais são depois somados outros vinte, nomeados por editores e que não constem já da lista anterior.

O passo seguinte é a nomeação do júri anual, escolhido por sorteio entre os membros da Academia. Presidido, este ano, pela poetisa e ficcionista inglesa Lavinia Greenlaw, e integrando os escritores Michael Chabon, Sarah Hall, Nam Le e Pankaj Mishra, o júri tem a missão de seleccionar uma shortlist de oito livros e, depois, escolher o vencedor.

O livro de George Saunders bateu-se na final com os de Anne Carson – com Red Doc, sequela do ambicioso romance poético Autobiography in Red, inspirado na mitologia grega, a escritora canadiana era uma das grandes favoritas –, Amity Gaige, Jane Gardam, Kent Haruf, Rachel Kushner, Eimear McBride e Sergio De La Pava.

Ao anunciar o vencedor, Lavinia Greenlaw elogiou a qualidade artística e a profundidade das histórias de Saunders. “Divertidamente negras, levam-nos ao limiar de algumas das mais difíceis questões do nosso tempo e obrigam-nos a reflectir no que está por trás e para lá delas”, disse a presidente do júri. “Implacável, encantador, ousado, compassivo”, Saunders, afirmou ainda Greenlaw, “é um verdadeiro original, cujo trabalho é absolutamente do momento que vivemos”. Mas os seus contos, profetizou, “revelar-se-ão ainda mais essenciais nos anos que virão”.

 

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