Saudades da sombra

A sombra, esquecida durante seis meses, volta como a velha amiga de que não sabíamos ter saudades até voltar a vê-la.

Na sexta-feira fomos à praia, estava sol e o mar parecia aberto a uma breve intervenção humana. Mas, no último minuto, cortámo-nos. Ainda não estávamos prontos. A praia também não. Ainda estava a ressacar de tanta chuva e de tanto frio.

Está a ser o primeiro fim-de-semana do ano com dias bonitos, com calor bastante para se estar bem à sombra. É depois de ter torrado ao sol durante dez minutos que se percebe que o sol está - finalmente, raios o partam - forte de mais para se estar debaixo dele.

Foge-se para a sombra e aí, sentindo a sombra como alívio, sem sensação de frio ou de azar, dou-me conta de uma saudade que não sabia que tinha: da sombra. Da sombra num dia de sol.

Sem aquele calor não se pode estar bem à sombra. Foge-se de uma coisa boa para outra coisa ainda melhor, que depende inteiramente da primeira.

Talvez a sombra seja a antecessora da água do mar. Mergulha-se nela com menos choque, entusiasmo e prazer mas é uma preparação para a alegria que aí vem. Da mesma maneira vai-se saindo da sombra para o sol e voltando do sol para a sombra, como quem vai tomar banho e volta à areia para secar, aquecer e voltar ao mar.

Quem pensaria durante este comprido e mísero Inverno que logo no segundo fim-de-semana de Março havíamos de ir, de livre vontade, para nosso próprio conforto, para onde estivesse menos calor?

A sombra, esquecida durante seis meses, volta como a velha amiga de que não sabíamos ter saudades até voltar a vê-la.
 

  


 

  



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