Censura e critérios editoriais

Considero salutar continuarmos em linha aberta a debater, no PÚBLICO e outras frentes, as problemáticas da língua portuguesa.

É facilmente admissível. Nem sempre é o jornal ou os seus jornalistas que são questionados pelos leitores. O provedor também o é. Por discordância com as suas posições. Pela interpretação dos leitores que, algumas vezes, sentem-no a puxar para o lado que consideram menos certo.

O meu último texto a propósito do Acordo Ortográfico ou mais precisamente sobre a posição assumida pelo PÚBLICO de não adoptar na escrita da língua portuguesa as normas ortográficas estipuladas pelo Acordo de 1990, suscitou da parte de alguns leitores reacções de discordância e algum contraditório. Por mim, estou bem ciente de que as posições de um provedor são tão discutíveis e objecto de negação ou contraditório como as de qualquer um dos interlocutores que se manifestam no espaço de liberdade de opinião, valor que, felizmente, ainda é marca de uma democracia, hoje em dia, já bastante “agredida” e defraudada nas suas condições basilares. E se não aceitasse que o PÚBLICO é um desses espaços de liberdade não estaria comprometido com as funções de provedor dos seus leitores.

 Neste contexto, um leitor atento à crónica publicada, no passado dia 2.03.2014, escreve: O provedor “não respondeu à questão deontológica que lhe foi colocada: por que razão, sendo o PÚBLICO uma tribuna aberta a várias correntes de opinião não franqueia as suas colunas ao considerável número de personalidades que, com fundados argumentos, sustentam as vantagens do Acordo Ortográfico em vigor. Como leitor do PÚBLICO gostava de saber de si e do PÚBLICO essa resposta.”

Ora, em primeiro lugar, o que interessava era a resposta concreta do PÚBLICO. Consultei a Directora do PÚBLICO sobre estas queixas da eventual não publicação de artigos recebidos na defesa do Acordo Ortográfico que, em resumo, me respondeu: Até hoje, todos os artigos que recebemos a favor do Acordo foram publicados. Porque recebemos muito mais artigos contra o AO, nem todos são publicados. A publicar todos monopolizávamos as páginas do jornal sobre este tema. Contudo, “não faz sentido falar em censura”. De um leitor recebemos uma única queixa pelo facto de lhe termos cortado uma frase numa carta publicada na secção “Cartas à Directora” sobre o Acordo, carta essa publicada na íntegra no PÚBLICO online.

Quanto à minha não resposta “à questão deontológica”, só agora interroguei directamente a Directora sobre essa queixa de o PÚBLICO “tribuna aberta a várias correntes de opinião não franquear as suas colunas” a artigos a favor do Acordo. O acento tónico da minha crónica anterior situava-se na aceitação do PÚBLICO legitimamente ter adoptado não seguir o AO90. Direito esse que o próprio Leitor reconhece legítimo. Por outro lado, conforme correspondência trocada com alguns leitores sobre este mesmo assunto, entendi não ser minha atribuição, do lugar de provedor, ter de me declarar a favor ou contra o AO. Obtida a confirmação de que, efectivamente, o PÚBLICO não publica todos os artigos que recebe a favor do Acordo Ortográfico, e porque me recuso a aceitar esta atitude ter a ver com “práticas censórias”, tenho de aceitar que estamos perante critérios editoriais. Estes, entendo eu, não competem ao provedor definir.

Provavelmente, a partir desta minha intervenção aparecerão publicados mais artigos a favor do Acordo. Não creio que esta polémica esteja terminada. Ao contrário deste Leitor que considera inquestionável estar “o AO90 em vigor entre nós, segue na sua utilização nas escolas, nos livros escolares, e neles são e serão educadas as novas gerações”, o que resta por demonstrar é que esse acordo, - e por isso é que pode ser considerado acordo -, é seguido nos outros oito países de língua oficial portuguesa e pelas suas actuais e futuras gerações. A atitude adoptada no Parlamento, como em tantos outros casos em que se acaba pela nomeação de uma comissão, mais me parece manifestar deixar o assunto em lume brando até ver. 

Como todos sabemos e defendemos a língua portuguesa é um grande património internacional. Mas é uma língua muito difícil e complicada. Na execução da pronúncia, da ortografia, do léxico, da morfologia, da sintaxe. Para evitar cometer nos meus textos menos erros, com toda a justiça rebatidos pelos leitores, ando a ler (a estudar) essa obra monumental, publicada em dois volumes com cerca de 2.500 páginas, editada em 2013, pela Fundação Calouste Gulbenkian e coordenada por destacados especialistas na nossa língua, Gramática do Português. Considero, por isso, salutar continuarmos em linha aberta a debater, no PÚBLICO e outras frentes, as problemáticas da língua portuguesa que, na frase tantas vezes repetida de Fernando Pessoa, é a nossa pátria.

 

A PROPÓSITO DO ACORDO ORTOGRÁFICO

«Porque gosto de viver perigosamente foi a razão para aceitar o convite do PÚBLICO para a edição de hoje, seu aniversário de 24 anos.

Aceitei na hora, imagina, que sonho, falar da língua portuguesa, da palavra lusitana, provocar o PÚBLICO a respeito do acordo ortográfico, vigente no Brasil, desde 2009 e não adotado pelo periódico com furor argumentativo.»

ADRIANA CALCANHOTTO, directora por um dia do PÚBLICO, 05.03.2014.

 

"O modo como a Assembleia da República está a fugir de tomar posições é bem revelado no modo como se empurrou para o eterno e adiado futuro a decisão sobre o Acordo Ortográfico. Percebe-se que a opinião dos deputados não conta para nada, mesmo havendo uma possível maioria contra o Acordo, e que apenas a força do impasse político internacional, transformada em inércia, mantém as coisas como estão.»

JOSÉ PACHECO PEREIRA, in Sábado, 12.03.2014

 

DO CORREIO DO LEITOR/PROVEDOR

1 – Uma Leitora, depois de concordar com a minha declaração que, em princípio, entendo não dever entrar em polémicas alimentadas por “artigos de opinião”, no respeito devido à pluralidade defendida pelo PÚBLICO, diz: “Mas, provedor, a questão é outra: o que me parece é que a diversidade de opiniões e de opinantes é muito estreita, e não sei porquê.”

Comentário do provedor: Prezada Leitora, em relação aos colunistas fixos é possível que a sua observação corresponda a essa percepção. Contudo, percorro o jornal todos os dias, no suporte papel e no suporte digital, e francamente parece-me poder encontrar um leque alargado de “fazedores de opinião” entre os mais divergentes campos ideológicos e partidários e das mais diversas áreas do conhecimento. É natural que o perfil do estatuto editorial do PÚBLICO concorra para isso. Mas em relação ao “Espaço Público”, “Debate”, “Tribuna” e “Cartas à Directora” colunas abertas a todos, parecem-me espaços que garantem uma desejável pluralidade e asseguram o contraditório. Muito provavelmente compete aos leitores alargarem a diversificação das páginas do PÚBLICO, destinadas ao acolhimento de “uma opinião pública, informada, activa e interveniente (…) condição fundamental da democracia e da dinâmica de uma sociedade aberta.”

2 – Uma outra Leitora pergunta: “Gostaria de saber o motivo pelo qual este jornal omite e recusa artigos que foram enviados a favor do Acordo Ortográfico da língua portuguesa.”

Comentário do provedor: Creio, prezada Leitora, que pode encontrar resposta na crónica que, hoje, publico nesta página. 
 

   


 

   





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