Morreu Gérard Mortier uma das figuras mais importantes do mundo da ópera

Belga tinha 70 anos e morreu de doença prolongada.

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PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP
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Brokeback Mountain foi uma encomenda de Mortier ao compositor americano Charles Wuorinen AFP
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O espectáculo estreou em Janeiro AFP
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A estreia de Brokeback Mountain foi controversa AFP
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Morreu o belga Gérard Mortier, 70 anos, considerado uma das figuras mais importantes do mundo da ópera e um dos gestores culturais mais influentes do continente europeu.

Mortier, que morreu na noite deste domingo em Bruxelas, ocupou o cargo de director do Teatro Real de Madrid, Espanha, até Setembro passado mas continuava ligado ao mesmo uma vez que se manteve com o cargo de conselheiro artístico. O gestor cultural estava rodeado da família e dos amigos no momento da sua morte, dizem fontes próximas citadas pela Efe. Em Maio foi-lhe diagnosticado um cancro no pâncreas e recentemente esteve na Rússia em tratamentos. Actualmente vivia entre Bruxelas e a Alemanha.

A saída de Mortier da direcção do Teatro Real de Madrid, cujo contrato terminava em 2016, não foi, no entanto, pacífica. Apesar de continuar ligado ao teatro, o belga viu-se obrigado a suspender funções para poder fazer os tratamentos. Mortier sugeriu vários nomes para a sua sucessão, todos eles estrangeiros, e chegou a ter reuniões de trabalho com alguns dos candidatos mas o Ministério da Cultura espanhol determinou que o próximo director artístico teria de ser um espanhol. Decisão que Mortier considerou ridícula. Joan Matabosch acabou por ser o escolhido.

Ao saber da notícia da morte de Mortier, Matabosch desfez-se em elogios numa reacção aos jornalistas este domingo de manhã. "Foi uma das grandes figuras da ópera a nível internacional e devemos orgulhar-nos de o termos disfrutado", disse o actual director artístico do Teatro Real de Madrid, citado pelo El País, referindo-se ao belga como "uma das personalidades que contribuiu de maneira fundamental para a renovação da ópera nas últimas décadas".

Um dos grandes companheiros de Gérard Mortier era o encenador Bob Wilson, que, segundo escreve o El País, ficou "muito transtornado" com a notícia da morte do amigo. "Tinha um compromisso incrível com o seu trabalho. Interessava-lhe a literatura, a dramaturgia, as artes plásticas, a música. Ele fez o que ninguém tinha feito antes", disse, destacando o espectáculo Vida y Muerte, de Marina Abramovic, que estreou no Teatro Real de Madrid em 2012. "Nunca se tinha visto nada assim num teatro de ópera em Madrid. Era um visionário inigualável."

Antes de Madrid, passou pelo Teatro Real de la Monnaie, na Bélgica (1981/1992); o Festival de Salzbourg (1992/2001); a Ópera de Paris (até 2009) e a Ópera de Nova Iorque, tendo seguido para o teatro madrileno. O especialista defendia a modernidade da arte lírica e a sua dimensão teatral.

Gérard Mortier, filho de padeiro, nasceu em Gand a 25 de Novembro de 1943. Estudo Direito e depois comunicação mas a música e o teatro é que eram a sua paixão, tendo ficado conhecido pela sua audácia artística, o que lhe valeu fortes críticas quando, por exemplo, esteve em Paris. A Madrid levou óperas de grande sucesso como Cosi fan Tutte, de Mozart, dirigida pelo realizador austríaco Michael Haneke, ou A perfect American do norte-americano Philip Glass.

Haneke, além de Cosi fan Tutte, pegou com Mortier ainda numa outra ópera de Mozart, Don Giovanni. Na altura, o El País recorda agora as palavras do realizador sobre Mortier: "É um amigo dos artistas e isso é importantíssimo para trabalhar". "Deu-me a possibilidade de trabalhar com uma seriedade verdadeira, e não como é costume na ópera: pouco tempo, mudança constante de cantores. Com Gérard não é assim".

No passado mês de Janeiro marcou presença na estreia da ópera Brokeback Mountain que tinha encomendado ao compositor americano Charles Wuorinen, em 2008. Na altura, reinvindicou uma "programação política". Recorde-se que o libreto desta obra se centra no amor entre dois homens, dois cowboys de Wyoming. Com este trabalho, Gérard Mortier concretizava assim a sua ideia de que se a ópera é entretenimento para público liberal, serve para discutir os grandes temas da sociedade, neste caso a homossexualidade. O espectáculo deu que falar e não fugiu à polémica com a Igreja a tecer várias críticas. Em resposta, lembra o El Mundo, Mortier defendeu que "a Igreja deve resolver os seus próprios problemas antes de dar lições sobre homossexualidade". "Nunca mudarei as minhas ideias sobre o teatro", continuou então o ex-director do Teatro Real, acrescentando que faz o que tem de fazer. "E tento converncer o público, se há parte dele que não gostou, devo aceitá-lo."

Em 2012, numa entrevista ao PÚBLICO, Gérard Mortier defendia que "na ópera, as pessoas gostam de acreditar na renovação, no reencontro com valores antigos". " Será por isso que existem tão poucas criações contemporâneas", dizia então o belga. "Devemos lutar sempre pelo lado político do teatro, não por causa de uma ideologia, não importa se é de esquerda ou de direita, mas porque, para além de poder ser um objecto de entretenimento, também deve reflectir sobre a sociedade."

“Era um grande inovador e um grande director de ópera”, reagiu à AFP o encenador suíço Luc Bondy, com quem Mortier colaborou várias vezes. “Ele foi muito importante para a ópera, fez com que muitas coisas acontecessem”, acrescentou ainda o encenador, para quem o belga “não foi uma figura consensual”. Do trabalho de Mortier, Luc Bondy, que dirige o Teatro Odéon, em Paris, desde 2012, destaca a “coerência da sua programação”.

O presidente do Festival de Cinema de Cannes, Gilles Jacon, saudou, na sua conta do Twitter, a mémória de um "grande director de ópera inconformista e inovador". Também nas redes sociais, o ministro belga dos Negócios Estrangeiros Didier Reynders apresentou as condolências à família, cita a AFP.

Em comunicado, a direcção da Ópera de Nacional de Paris lamentou “com grande tristeza” o desaparecimento de Gérard Mortier, seu director entre 2004 e 2009. “Figura maior da direcção das casas da ópera, ele iniciou em Paris numerosas colaborações com encenadores e realizadores como Michael Haneke, Peter Sellars, Krzysztof Warlikowski e Christoph Marthaler, artistas plásticos como Bill Viola ou Anselm Kiefer e ainda com os compositores Kaija Saariaho e Philippe Boesmans”, lê-se na nota.

A ministra da Cultura francesa, Aurélie Filippetti, destacou à AFP “a política artística exigente e bem-sucedida” Mortier, que considerou “um visionário”.

Escreve o Le Monde que Gérard Mortier deverá ser a primeira pessoa, ainda que a título póstumo, a ser distinguida com o Prémio Mortier, um prémio que terá o seu nome e que pretende distinguir os profissionais da ópera que arriscam e inovam no meio. Entrega do prémio está marcada para o dia 31 de Maio em Graz, na Áustria.

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