Até as selfies têm um lado B

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Houve um tempo em que os Óscares tinham que ver com os filmes. Quando o que contava era o número de estatuetas acumuladas pelos campeões da noite. Este ano, tudo mudou. A selfie da apresentadora Ellen DeGeneres, com entre outros Meryl Streep, Jennifer Lawrence, Julia Roberts, Kevin Spacey, Bradd Pitt, Angelina Jolie e Bradley Cooper, que tirou a fotografia, merecia muito mais ter ouvido o And the Oscar goes... do que 12 Anos Escravo ou Gravidade, os mais premiados da noite.

Ao pé dos mais de dois milhões de partilhas da imagem da noite na rede social Twitter (um novo recorde, estabelecido em apenas duas horas, destronando o anterior máximo, que era do casal Obama), nem as 11 estatuetas de Ben-Hur, Titanic e de O Senhor dos Anéis valem o que quer que seja, quanto mais as três do filme de Steve McQueen...

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Para a história da noite não ficarão as vergonhas da escravatura ou angústias em órbita. Isso são apenas filmes. Previsíveis. Escritos, filmados e montados para nos envolverem numa ilusão de realidade. Este ano, aliás, sublinhava-se que muitos dos filmes nomeados eram baseados em factos reais. Se a ideia era fazer os filmes mais “verdadeiros”, esqueçam. Um filme nunca será tão verdadeiro como uma selfie. Por esta razão muito simples: a selfie cria uma ilusão muito maior do que qualquer filme.

A selfie é o filme instantâneo de um momento da realidade. Por isso, apresentamos aqui não a imagem que marcou a cerimónia dos Óscares, mas o seu verso, o seu lado B. O making of. Meryl Streep e Ellen DeGeneres estão escondidas e de Bradley Cooper só se vêem os braços, que a anfitriã da noite lamentou não serem maiores, para caberem mais caras na fotografia. A imagem que se iria tornar viral está no ecrã do smartphone.

Tal como nos filmes, há um efeito de ilusão a desmontar. A cerimónia do Dolby Theatre era patrocinada pela Samsung, a marca do smartphone que Ellen DeGeneres usou para esta selfie (nos bastidores, utilizava um iPhone...). O efeito-surpresa reforçou o impacto mediático da cerimónia, cuja audiência televisiva foi a maior dos últimos dez anos. Paradoxalmente, esse crescimento, após uma estagnação de vários anos, resulta de muitas pessoas estarem ao mesmo tempo a ver e a comentar o acontecimento nas redes sociais. E era preciso um elemento que ligasse as duas plataformas.

Com a selfie, todos puderam partilhar um bocadinho da cerimónia (aliás, já há uma aplicação onde podemos acrescentar a nossa próxima imagem à das estrelas de Hollywood). Já ninguém quer ver nada sem ter a ilusão de ser parte do que vê. Já não precisamos de filmes para compreender o real, precisamos de transformar a realidade num filme viral. E achamos que isso merece um Óscar. Para partilharmos no Twitter.      

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