Ministério Público assume acção popular contra resort Quinta do Lorde

Acção principal contra empreendimento, construído em reserva da Rede Natura 2000, aguarda julgamento há quatro anos.

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O Ministério Público deverá assumir a acção popular contra o resort Quinta do Lorde, caso o seu autor desista da lide que se fundamentou na ilegalidade do licenciamento e construção deste complexo turístico em pleno Parque Natural da Madeira, na reserva natural da Ponta de São Lourenço, integrada na Rede Natura 2000.

O autor da acção principal, Gil Canha, pressionado pela administração da Quinta do Lorde que o responsabiliza pelo desinteresse de um grupo árabe na compra do resort, admitiu desistir deste procedimento administrativo especial. Na sexta-feira, aquele dirigente da associação ecologista Comos foi recebido, à saída da câmara do Funchal — de que é vereador pela coligação Mudança —, pelos trabalhadores do empreendimento, que lhe atribuem a culpa pelos salários em atraso e por eventual perda do posto de trabalho.

Aos protestos da administração e dos trabalhadores da Quinta do Lorde que acusam Gil Canha de ter utilizado o instituto da acção popular de forma “egoísta, abusiva e ilícita”, juntaram-se os vereadores do PSD na câmara, pondo em causa a sua legitimidade para continuar a desempenhar as funções de vereador responsável pelo urbanismo. 
No entanto, mesmo que Canha desista do processo, tendo como contrapartida a retirada das queixas que o grupo empresarial Sousa, ligado à Quinta do Lorde, interpôs contra si e outros dirigentes do PND, o Ministério Público deverá substitui-lo, assumindo assim o pólo activo da relação processual em defesa dos interesses públicos em causa, designadamente, o ambiente, o património natural e o domínio público. De acordo com a lei, o Ministério Público, no âmbito da fiscalização da legalidade, “poderá, querendo, substituir-se ao autor em caso de desistência da lide, bem como de transacção ou de comportamentos lesivos dos interesses em causa”.
 
A empresa promotora do empreendimento alega que a acção popular está a matar o projecto, a colocar em risco 200 postos de trabalho e a obstaculizar a venda do
resort aos árabes do grupo IFA Hotels Resorts, já com outros empreendimentos em Portugal. Os investidores terão sido surpreendidos com o recente averbamento da pendência deste procedimento administrativo sobre todas as fracções do empreendimento na Conservatória do Registo Predial de Machico, o que poderá inviabilizar a venda dos 103 apartamentos e das 23 moradias de luxo do complexo. 
E temem que a luta judicial possa arrastar-se vários anos nos tribunais, e que, depois do julgamento da acção principal. ainda sem data marcada, venha a culminar numa decisão idêntica à do Supremo Tribunal espanhol que em Feveriro ordenou a demolição de um complexo turístico de luxo em Cáceres, na Estremadura. O mega-empreendimento, parcialmente pronto, foi construído numa zona da Rede Natura 2000 e já tinha começado a ser comercializado.
 
Para além de divergências financeiras que impediram a conclusão do negócio, os investidores árabes terão sido também alertados para o acórdão do Tribunal Constitucional, de Fevereiro de 2010, que declarou a inconstitucionalidade da norma na qual o Governo Regional da Madeira se baseou para afectar à Sociedade de Desenvolvimento Ponta do Oeste, uma empresa de capitais públicos, áreas do domínio público marítimo onde foi construída a polémica marina do Lugar de Baixo, na Ponta do Sol. Receiam que a jurisprudência constitucional possa influenciar a decisão da acção principal movida contra o complexo turístico pelo facto de parte do resort, nomeadamente a piscina e a zona comercial, ter sido construída em zona do domínio público marítimo, cedida pelo governo regional sem que para tal tenha competência.
 
Apesar de não possuir a titularidade no domínio marítimo, o Governo Regional da Madeira resolveu autorizar a sociedade anónima promotora da Quinta do Lorde a constituir a favor do Banco Espírito Santo e BPI uma hipoteca voluntária sobre o direito de concessão de uma parcela do domínio público marítimo para usos privados, como a realização de um empreendimento hoteleiro. Com esta hipoteca, os dois bancos disponibilizaram 20 milhões de euros que permitiram à sociedade promotora chegar a acordo com o consórcio construtor Soares da Costa/FDO a retomar as obras que estiveram suspensas dois anos, por incumprimento do contrato devido a falta de pagamento. Este encaixe financeiro, reforçado com cinco milhões dos investidores, permitiu à sociedade liderada por Ricardo Sousa concluir o empreendimento orçamentado em 100 milhões, e inaugurado por Jardim antes das autárquicas de 2013, apesar de estar pendente a acção principal.

Ao declarar improcedente o processo cautelar que pedia a suspensão das obras daquele empreendimento de luxo na orla marítima de uma zona protegida da Rede Natura 2000, o juiz Paulo Gouveia, embora reconhecendo que "há aparência jurídica de duas ilegalidades invocadas", concluiu que a eventual paragem da empreitada poderia ditar "a falência" da sociedade promotora e "a inutilização de todo o investimento, público e privado, já efectuado".

Na providência cautelar, os autores alegavam que as licenças eram ilegais porque o terreno em questão se insere na Rede Natura 2000 e porque a aprovação do projecto não foi precedida da obrigatória autorização prévia do Parque Natural da Madeira (PNM). Advogavam igualmente que as normas do Plano de Ordenamento do Território da Região, do Plano de Ordenamento Turístico e do Plano Director Municipal de Machico eram violadas. Além disso, afirmavam que o empreendimento, beneficiário de apoios europeus por ser considerado green hotel, desrespeitava o princípio da prevenção ambiental.

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