Comércio ilegal de espécies protegidas em Portugal diminuiu mas pouco

Ministério do Ambiente queimou nesta sexta-feira uma tonelada de artigos feitos a partir de espécies em vias de extinção, cujo comércio internacional é proibido. Objectivo é "retirar valor" às peças e sensibilizar a sociedade.

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foram destruídos cerca de 3000 artigos, como esculturas em marfim e carteiras em pele de cobra joÃo cordeiro
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joÃo cordeiro

As autoridades portuguesas apreenderam, em 2012, 501 espécimes de fauna e flora protegida e em vias de extinção, dos quais 70% eram ovos de aves como papagaios, cujo comércio internacional é proibido. São menos 55 peças do que no ano anterior, quando houve um aumento exponencial que os técnicos do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) atribuem à crise, que terá levado muitas pessoas a vender objectos pessoais deste tipo, como carteiras ou casacos de pele de animais, sem o obrigatório licenciamento.

“Houve em 2012 uma inversão da tendência do tráfico mas ainda não é suficiente”, disse nesta sexta-feira o secretário de Estado do Ordenamento do Território e Conservação da Natureza, Miguel de Castro Neto. Os dados sobre 2013 ainda não são conhecidos, mas o governante acredita que o trabalho das autoridades está a surtir efeito. “Estamos cada vez mais atentos, até porque este tipo de tráfico está a ganhar mais interesse”, afirmou.

Segundo estimativas recentes do Fundo Mundial para a Natureza, o comércio ilegal de espécies protegidas gera anualmente 14 milhões de euros, o que o torna no quarto crime mais lucrativo do mundo. “A droga é o principal tipo de tráfico que existe, mas tem molduras penais muito pesadas. Este tipo de tráfico [de espécies protegidas], apesar de ter retornos inferiores, tem uma moldura penal um pouco mais ligeira, o que o torna mais atractivo”, admitiu Miguel de Castro Neto. Ainda no ano passado, por exemplo, uma mulher detida no aeroporto com 61 ovos de papagaio enrolados à volta da cintura foi condenada a 14 meses de prisão, mas com pena suspensa.

Queimar para retirar valor
O governante assistiu nesta sexta-feira à queima de cerca de 3000 artigos, como carteiras em pele de cobra ou de crocodilo, estátuas em marfim de elefante, tartarugas em madeira tropical ou mesmo borboletas embalsamadas. Uma tonelada de objectos, apreendidos entre 1983 e 2002 sobretudo em aeroportos e portos comerciais por todo o país, foi incinerada no forno da central de valorização orgânica da Valorsul, em Loures. Foi a primeira operação do género no país e está em linha com a solução recomendada pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES) para os objectos apreendidos.

“Apenas pela retirada do valor deste tipo de artigos é que vamos conseguir eliminar o seu tráfego”, afirmou o governante, explicando que além da queima há outras soluções: alguns objectos são entregues a museus, universidades ou centros de educação ambiental. Os animais vivos são deixados ao cuidado de parques zoológicos. “As peças atraem pela sua beleza, mas o desafio é conseguirmos comunicar à sociedade que, por cada uma destas peças, houve um animal que teve que dar a vida”, sublinhou.

Segundo dados do Ministério do Ambiente, entre 2003 e 2012 foram apreendidos quase 4000 espécimes. Da lista constam mamíferos (onde incluem os objectos feitos a partir de marfim de dente de elefante), répteis (10% são cobras vivas, os restantes são carteiras de pele ou animais embalsamados), corais, peixes, flora, e aves. Este último tornou-se uma mina de ouro para os traficantes: um ovo de arara pode render 400 mil euros no mercado.

O número total não inclui, porém, a quantidade de meixão apreendida entre 2010 e 2012: quase dois milhões. “Só nos últimos três meses, interceptámos três tentativas de exportação de meixão”, uma das espécies abrangidas pela CITES, adianta João Loureiro, chefe da Divisão de Gestão de Espécies de Flora e Fauna do ICNF. Um quilo desta enguia bebé vale 20 mil euros na China. “Pode ser consumida na União Europeia mas não pode ser exportada para fora”, explica.

Loureiro sublinha que é preciso distinguir o tráfico, que envolve montantes muito elevados e circuitos comerciais organizados, do comércio ilegal. Em muitos casos “as pessoas desconhecem que estão a praticar um crime”, acrescenta Ana Zúquete, directora do Departamento de Recursos Naturais e Conservação da Natureza do ICNF. "A legislação da convenção não é fácil e a sensibilização das pessoas não é muito grande”, admite. Até porque há, por exemplo, aeroportos em África com lojas onde se vende peças em marfim, cuja importação para Portugal é proibida.

Os técnicos do ICNF lembram que muitas pessoas que estiveram em África antes do 25 de Abril - quando a convenção, criada há 41 anos, ainda dava os primeiros passos - terão em casa artigos cuja importação seria hoje ilegal. Para poderem comercializá-los em antiquários, por exemplo, precisam de um certificado, que custa cerca de 20 euros, com as características da peça e a autorização dos países de origem e destino. "A coima mínima pela detenção ilegal de espécimes CITES é de 20 mil euros", diz João Loureiro. Embora não saiba se alguém pagou este valor em Portugal, recomenda: "É melhor prevenir".

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