Este país não é para inteligentes

Se nos pusermos no lugar de quem tem uma aptidão especial para aprender assim tão facilmente, nós próprios começamos a ver as coisas noutra perspectiva. Quem são eles? Pessoas

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Michaela Rehle/Reuters

Desde pequenos que ouvimos os nossos pais dizerem que “não somos mais do que os outros”, tentando incutir-nos o valor da humildade quando na verdade somos bem diferentes. Há, de facto, pessoas mais inteligentes do que outras e isso sente-se ainda mais nas gerações recentes. Seja pelo evolução da comunicação, da tecnologia ou na forma como as relações humanas acontecem.

Nesta tentativa de passar valores nobres, a humildade como sinónimo de modéstia confunde-se facilmente com um sentimento de inferioridade. É precisamente aqui que o sistema educativo português marca a sua posição ignorante e, por isso, posso dizer com toda a convicção de que não está preparado para receber e responder às crianças ditas especiais. O meu "little man", com seis anos e meio, é um exemplo (entre muitos que andam meio escondidos) de que este país não é para inteligentes. Como mãe, escrevo isto com um sentimento provido de alguma tristeza.

O facto de ter aprendido a escrever e a ler sozinho antes dos cinco anos parece despertar no sistema uma espécie de medo. Mas se nos pusermos no lugar de quem tem uma aptidão especial para aprender assim tão facilmente, nós próprios começamos a ver as coisas noutra perspectiva. Nem boa, nem má, mas diferente. Quem são eles? Pessoas. Grandes curiosos pelo mundo, sedentos de conhecimento e verdade.

Saber o porquê de tudo é crucial para o seu pensamento evoluir, é assim que concebem o mundo deles. Todas as perguntas têm uma resposta, venha de onde vier, seja ela qual for. Não gostam de ficar parados a ver o tempo passar, pelo contrário, gostam de sentir o vento na cara e de absorver tudo à sua volta. Muito é pouco para eles, porque há sempre mais. E por isso, são rotulados de irrequietos e impacientes, de possíveis autistas, de eventuais crianças com défice de atenção e outras coisas mais de que todos nós já ouvimos falar nesta última década. Teoria atrás de teoria, pediatra atrás de pediatra, tudo conta como opinião válida que cabe aos pais filtrarem. Um fenómeno que acabou por levar à criação de estruturas de consultas de desenvolvimento que anseiam por diagnósticos fundamentados pela psicologia infantil, ou centros de intervenção precoce que visam ensinar as crianças a agirem de acordo com os valores da sociedade actual e dita "civilizada". Com isto, esqueceram-se de criar centros de apoio ao desenvolvimento precoce, até porque sem qualquer apoio as crianças muito inteligentes acabam por dispersar sem muito alarido e sem que o papel da escola seja posto em causa. Há tradições que ainda são o que eram.

Em casa, fazem questão de partilhar o conhecimento com os pais, a família e os amigos, em jeito de descompressão. Na escola, como as aulas estão preparadas para colocar todos os meninos ao mesmo nível de aprendizagem, é suposto receberem ordens sem o direito de as questionarem. Não que esteja a sugerir um sistema anárquico, bastava-lhe ser menos obtuso e mais dinâmico, o que já faria muita diferença na vida destes meninos que acabam por encarar a escola como um local de passagem e, diga-se a verdade, fazem-no com alguma indiferença porque sentem estarem muito à frente do que lhes é pedido para aprender e fazer.

No fundo, só me apetece dizer ao sistema: se não estás preparado para ser questionado pela inteligência alheia, desenrasca-te, actualiza-te, aprende com quem será o nosso futuro. Farias mais pessoas felizes. A mim, como sei que a tantos outros pais, só me deixa orgulhosa ter um filho inteligente.

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