Papa critica os que querem fazer dele "uma espécie de Super-Homem"

Francisco diz que a crise da família deve ser alvo de uma "reflexão profunda" por parte da Igreja. Quase um ano após a eleição, Papa diz que "é um homem normal".

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Imagem de Francisco "super-homem" em Roma MARIO LAPORTA/AFP

Francisco foi a personagem do ano para a revista Time, fez capa da Rolling Stone e é um sucesso nas redes sociais. As suas intervenções, sobre a pobreza ou os males da Igreja, geram um entusiasmo pouco habitual – tanto que se fala já de “papamania” ou “franciscomania”. Exageros, diz o Papa, denunciando o que diz ser “uma certa mitologia” criada em torno dele.

“O Papa é um homem normal, que ri, chora, dorme tranquilo e tem amigos como toda a gente. Uma pessoa normal”, diz Francisco em entrevista ao Corriere della Sera, a terceira a um jornal italiano desde que foi eleito, faz dia 13 um ano. Na conversa, o Papa diz “gostar de estar entre as pessoas, junto a quem sofre, andar pelas paróquias”, numa proximidade pastoral que está a revolucionar a imagem que o mundo tem do chefe da Igreja Católica e que o leva, por exemplo, a telefonar a quem lhe escreve com pedidos de ajuda – “Quando alguém nos chama é porque quer falar, fazer um pedido, pedir um conselho. Em Buenos Aires era mais simples, mas é um hábito que ficou, um serviço”.

Do que Francisco não gosta é da “interpretação ideológica” do seu pensamento, da construção de uma imagem que não coincide com aquilo que ele diz ou pensa. “Sigmund Freud dizia, se não me engano, que toda a idealização é uma agressão. Pintar o Papa como uma espécie de Super-Homem, uma espécie de estrela, parece-me ofensivo.” Exemplo disso foi a recente decisão de renovar o passaporte argentino, mesmo que, na sua condição de chefe de Estado do Vaticano, tenha direito a documentos próprios. O gesto foi interpretado por uns como um sinal de apego ao país de origem, por outros como a confirmação da modéstia que o leva a viver na residência de Santa Marta e não no Palácio Apostólico. "Renoveio-o porque tinha caducado", responde Francisco.

Sobre o caminho percorrido desde a tarde em que assomou à varanda de São Pedro e se apresentou à multidão como o Papa que “veio do fim do mundo”, admite que quando foi eleito “não tinha nenhum projecto para a reforma da Igreja” e que só meses mais tarde concluiu que deveria ser dada prioridade à discussão sobre “a crise muito séria” que atravessa a família, tema do sínodo dos bispos que vai realizar-se em Outubro próximo.

Do encontro, que terá uma segunda etapa em Outubro de 2015, podem sair mudanças, como a permissão para que os divorciados recasados possam receber os sacramentos, incluindo a comunhão. O tema foi abordado no consistório do mês passado e deu origem “a uma discussão intensa entre os cardeais, admitiu o Papa, mas “a discussão fraternal e aberta faz crescer o pensamento teológico e pastoral”. “Não o temo, antes o busco”, afirma o Papa, sublinhando que só com “uma reflexão profunda se poderá confrontar seriamente as situações particulares, incluindo a dos divorciados, com profundidade pastoral”.

Criticado pelos sectores mais tradicionais da Igreja pelo pouca atenção que tem dedicado ao que os seus antecessores chamaram os “valores não-negociáveis” da vida e das questões da moral sexual, Francisco diz “nunca ter compreendido” a expressão – “valores são valores, e basta”. E se reafirma que o “casamento é entre um homem e uma mulher”, recusa criticar as uniões civis instituídas em muitos países para “regular diferentes situações de convivência”.

Na entrevista, Francisco repete as críticas a uma globalização que “salvou da pobreza muitas pessoas, mas condenou outras tantas a morrer de fome” e “produz um pensamento único” que “deixou de ter como preocupação central o homem”. Sobre o antecessor, Francisco diz que Bento XVI “não é uma estátua nem um museu”. “A sua sabedoria é um dom de Deus”, afirma, revelando que rejeitou os conselhos de quem defendia que ele deveria retirar-se para uma abadia longe do Vaticano. “Pensei nos avós que, com a sua sabedoria e com os seus conselhos, dão força à família e não merecem terminar os seus dias numa casa de repouso”.

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