Ex-autarca do PSD na freguesia de São José julgado por peculato e falsificação

Acusação diz que o antigo presidente de junta usou mais de 41 mil euros da autarquia em benefício próprio. Arguido nega tudo.

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Acusação diz que autarca adquiriu charutos e champanhe com dinheiro da Junta João Cordeiro

O penúltimo presidente da Junta de Freguesia de São José, em Lisboa, está a ser julgado desde Dezembro, por peculato e falsificação de documentos. João Miguel Mesquita, o autarca do PSD que dirigiu a freguesia entre 2005 e 2009, é acusado de ter gasto em benefício próprio um total não inferior a 40.261 euros e de ter forjado facturas para justificar parte dessas despesas.

A última das sessões da audiência de julgamento já efectuadas, a sétima, realizou-se no passado dia 13 e foi preenchida pelas audições do anterior presidente da Junta dos Prazeres, Magalhães Pereira, e do actual presidente da Junta da Estrela, Luís Newton — ambos arrolados pela defesa e membros do PSD. Para 13 de Março, está agendada aquela que deverá ser a última sessão do julgamento, antes da leitura da sentença.

Entre os bens e serviços que o Ministério Público acusa João Mesquita de ter adquirido para seu uso pessoal, com o dinheiro da autarquia, encontram-se charutos, champanhe, cartões de presentes do El Corte Inglés, reparações e peças referentes a um veículo pessoal, combustível, viagens de avião, refeições em restaurantes, óculos, gravatas e outras peças de roupa.

Para lá do pagamento deste tipo de despesas, o ex-autarca, agora com 43 anos, foi acusado pela 9.ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa de ter levantado oito mil euros para pagar salários, entregando aos funcionários da junta, em numerário, um total de 6602 e apoderando-se dos 1397 euros sobrantes. Noutra ocasião, terá feito registar o pagamento de 1500 euros a uma prestadora de serviços da autarquia, a qual emitiu um recibo verde nesse valor, mas confessou à Polícia Judiciária nada ter feito e nada ter recebido. O cheque, segundo a acusação, foi depositado numa conta pessoal do arguido.

Também uma pequena obra contabilizada por 14.475 euros terá custado apenas 6000. Num outro caso, o acusado terá emitido uma ordem de pagamento de 1675 euros para pagar os serviços de um restaurante, prestados no decurso de uma iniciativa da autarquia para idosos. Para justificar essa despesa, terá apresentado três facturas, que o dono do restaurante afirma nunca ter passado, não tendo também fornecido quaisquer refeições ou outros serviços à junta.

Quanto às reparações e peças no valor de cerca de 2000 euros, os serviços prestados pelo Stand Alex prendem-se com um veículo de duas rodas da marca Vespa de que era proprietária uma empresa para a qual o arguido trabalhava em 2003. Segundo o gerente do Stand Alex, João Mesquita levou-lhe nessa altura o motociclo para reparação, mas a factura não foi paga e o veículo ficou na oficina durante quatro anos.

Já em 2007, Mesquita terá pago a dívida e levado a “vespa”. No mês seguinte, voltou com ela para uma nova reparação, incluindo pintura, e pagou a despesa. De acordo com o Ministério Público, ambas as contas acabaram por ser pagas pela junta.

Na contestação que entregou em tribunal, o advogado de Mesquita nega todas as acusações e alega, em relação à “vespa”, que ela foi emprestada pelo arguido à junta de que era presidente, para ele próprio a conduzir nas suas deslocações de serviço, na condição de a autarquia pagar a manutenção.

Já no que toca aos charutos, champanhe, cartões de presente e gravatas, o ex-autarca reconhece que os tinha no seu gabinete, mas não para uso pessoal. O objectivo, explica na contestação, era ter sempre uma prenda, uma recordação, uma lembrança, para oferecer a quem ali fosse em visita oficial. Quanto aos óculos, o arguido afirma que eles foram pagos pela junta porque os seus se partiram durante uma deslocação a uma obra da autarquia.

Relativamente a viagens de avião e hotéis, está em causa, sobretudo, uma ida a Londres, em 2007, que terá sido feita a convite do Hard Rock Café, grupo que tem um estabelecimento na freguesia. Numa das sessões do julgamento, João Mesquita explicou que a viagem foi feita para conhecer uma iniciativa do Hard Rock Café que poderia ser replicada em Lisboa, alegando que o convite não incluiu o pagamento daquelas contas.

Só o dinheiro retirado pelo arguido do fundo de maneio da autarquia sem qualquer justificação, diz a acusação, ascende 29.531 euros.

Os factos investigados referem-se apenas ao período 2005-2007 e tiveram origem em denúncias do antecessor de João Mesquita, Joaquim Oliveira, eleito pela CDU. De acordo com o Ministério Público, a junta tinha um saldo positivo de 175.200 euros quando Mesquita tomou posse, em Dezembro de 2005, e já estava com um saldo negativo de 18.220 euros em Dezembro de 2007. Embora o resto do mandato não tenha sido investigado, a derrapagem das contas prosseguiu, ultrapassando os 100 mil euros negativos no final de 2009.

Após ser notificada da acusação do Ministério Público em Outubro de 2012, a Junta de Freguesia de São José — que no ano passado passou a fazer parte da nova freguesia de Santo António — pediu em tribunal, caso se provem os factos imputados ao arguido, a sua condenação ao pagamento de uma indemnização à autarquia no valor de 40.261 euros. Nessa altura, a junta era presidida pelo social-democrata Vasco Morgado, que preside agora à Junta de Santo António.

João Mesquita, que dirige uma revista de informática, disse ao PÚBLICO que não quer fazer declarações sobre o caso fora do tribunal, afirmando, no entanto, que “o Ministério Público está fazer o que deve fazer, reagindo, e bem, a uma denúncia” que foi feita. “Estou a provar no julgamento que nada daquilo de que me estão a acusar é verdade”, acrescentou.

Cinco juntas de Lisboa na justiça
Além do caso de São José, há pelo menos mais quatro juntas de freguesia de Lisboa que foram palco, nos últimos anos, de investigações da Polícia Judiciária relacionadas com suspeitas da prática de crimes, nomeadamente de apropriação de dinheiros públicos.

O mais antigo desses casos remonta a 2008 e prende-se com o desaparecimento de um subsídio de 50 mil euros atribuído pela Junta de São Domingos de Benfica a uma associação de moradores, quando a autarquia era presidida pelo social-democrata Rodrigo Gonçalves — actualmente assessor do secretário de Estado do Emprego. A associação diz que devolveu o dinheiro a pedido da junta, mas a verba nunca entrou nos seus cofres. Até agora não é conhecido o resultado da investigação.

Mais recente é o desaparecimento de cerca de 13 mil euros da Junta de Alcântara. A investigação conduziu à acusação, no Verão passado, de um antigo colaborador da autarquia, o ex-presidente da Juventude Social-Democrata Jorge Nuno de Sá, que se terá apropriado indevidamente daquele valor. O início do julgamento está marcado para o dia 29 de Abril.

Os últimos casos conhecidos respeitam a um processo iniciado no ano passado e que levou a Polícia Judiciária a fazer buscas e apreensões de documentos e material informático nas juntas do Beato e de Marvila. A primeira é presidida pelo socialista Hugo Xambre Pereira e a segunda pelo seu colega de partido Belarmino Silva. Em causa, entre outras coisas, estão suspeitas de favorecimento em dois concursos para admissão de pessoal.

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