Luís Serrão Pimentel, homem de ciência do século XVII, foi resgatado numa exposição

Cosmógrafo-mor do reino, engenheiro, professor, académico, bibliófilo, vários matizes da ciência portuguesa convergem neste homem pouco estudado. Uma exposição inaugurada ontem na Biblioteca Nacional, em Lisboa, vem levantar a poeira.

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Na exposição é possível ver desenhos de vários fortes em manuscritos e as obras de autoria do cosmógrafo-mor Oxana Ianin
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Na exposição é possível ver desenhos de vários fortes em manuscritos e as obras de autoria do cosmógrafo-mor Oxana Ianin

Uma maquete de Elvas, no piso de cima da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), em Lisboa, põe-nos no reino da construção dos fortes. Se há área que Luís Serrão Pimentel marcou foi a engenharia. Em 1680, um ano após a morte do cosmógrafo-mor, foi publicada a sua grande obra sobre engenharia de fortes, que se tornou numa espécie de “manual” da disciplina para os engenheiros do reino. Mas Luís Serrão Pimentel acabou por ser um importante aglutinador da ciência da época. É graças à sua vertente de bibliófilo, e às suas ligações europeias, que hoje é possível estudar-se o único manuscrito existente do famoso matemático português do século XVI, Pedro Nunes, ou o documento descoberto no ano passado do matemático Francisco de Melo, do início do século XVI. Uma exposição na BNP inaugurada ontem reúne, pela primeira vez, material deste homem vindo de vários acervos.

“Luís Serrão Pimentel foi um praticante de ciência de grande interesse que merece ser conhecido”, resume Henrique Leitão, historiador de ciência da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que falou ao PÚBLICO enquanto eram dados os últimos retoques aos objectos da exposição “Luís Serrão Pimentel e a ciência em Portugal no século XVII”. O historiador comissariou a mostra juntamente com Miguel Soromenho, investigador do Museu Nacional de Arte Antiga.

Na exposição de entrada livre, que estará aberta até 30 de Abril, é possível ver códices e livros daquele período relacionados com esta personagem histórica. A sua vida está dividida em três partes: a formação, o trabalho de engenharia de fortes, propagado pelas aulas de Engenharia que deu e, finalmente, a vertente bibliófila, com livros de astrónomos como Johannes Kepler ou Nicolau Copérnico, que terão feito parte da sua biblioteca.

Nos documentos, é possível observar vários desenhos de fortificações e desenhos geométricos. “A fortificação é esteticamente bonita”, diz Henrique Leitão, apontando para os desenhos. “Não se espera que ninguém venha à exposição ler os manuscritos, mas espera-se que se perceba com que tipo de ferramentas intelectuais é que se trabalhava. E aqui é a matemática – o estudo, a utilização, a prática da matemática, é isto que os manuscritos mostram.”

Luís Serrão Pimentel nasceu a 4 de Fevereiro de 1613 na freguesia de Santa Justa. O cosmógrafo-mor foi filho de Lisboa, mas foi também filho da Aula da Esfera, o curso de Físico-Matemáticas leccionado pelos jesuítas do Colégio de Santo Antão. Esta escola esteve activa em Lisboa durante 170 anos, entre finais do século XVI e meados do século XVIII, e trouxe importantes pedagogos da Europa. Do colégio de Santo Antão saíram formados milhares de alunos.

“Sem Aula da Esfera não havia Serrão Pimentel”, diz Henrique Leitão. O engenheiro receberia ainda ensinamentos do cosmógrafo-mor Valentim de Sá, tornando-se assim num “matemático muito competente” e no “grande professor de engenharia militar portuguesa do século XVII”, explica. A restauração da independência de Portugal, em 1640, teve muita influência na carreira do engenheiro. A guerra que se seguiu obrigou Portugal a construir fortificações ao longo da fronteira, principalmente no Alentejo, onde o terreno plano era um convite à entrada do exército espanhol.

“A grande modificação dos fortes da altura é por causa da artilharia”, conta Henrique Leitão. A partir de 1641, o rei D. João IV manda vir grandes engenheiros militares franceses, holandeses e da Flandres, para assistir na construção, ampliação e restauro dos fortes. É neste ambiente que Luís Serrão Pimentel, também militar, trabalhou. O engenheiro planeou e edificou a praça de Évora e acompanhou obras de fortificação de Vila Viçosa, Monsaraz, Elvas, Campo Maior, Portalegre, entre outros. “Ele é o primeiro que aparece como grande teórico e doutrinador desta disciplina.”

Na mostra isso é notório, além de vários exemplares do livro póstumo, de 1680, Methodo Lusitanico de desenhar as fortificaçoens das praças regulares, & irregulares…, estão expostos aquilo que parecem ser livros de bolso, manuscritos ainda feitos em vida. “Ele preparava versões mais pequenas do manuscrito que deixava as pessoas usar”, revela Henrique Leitão. “A especulação é que [estes códices mais pequenos] eram levados para o campo para quando se iam inspeccionar as fortificações.” Já a edição de 1680 é um livro grande, sobre engenharia militar com uma base forte matemática, “normal nos bons tratados”.

Em 1647, Luís Serrão Pimentel é nomeado cosmógrafo-mor, cargo directamente relacionado com o rei. Como tal, o engenheiro, que também estudou Náutica, tinha de fazer exames a pilotos, a cartógrafos, a construtor de instrumentos. Além de ser professor na Aula de Fortificação, uma classe criada por D. João IV, também deu aulas como cosmógrafo-mor.

“Ele tem uma influência enorme na engenharia portuguesa, não só nos homens que forma, mas os seus textos são a referência para toda a gente”, explica Henrique Leitão, que defende o estudo deste material para perceber a ramificação do impacto que o cosmógrafo-mor teve na ciência portuguesa. Para o historiador, mostrar Luís Serrão Pimentel é mostrar um exemplo para as gerações de hoje: “Não há coisa mais destruidora para um miúdo em Portugal do que ouvir dizer que os portugueses não gostam de ciência, de matemática. Enquanto não mostrarmos que houve história científica portuguesa, a história introduz um elemento perverso [na educação].”

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