Ascensão sem glória: sobre a democracia performática

Até hoje, na Hungria, um momento importante dentro do cenário político é o fim de um mandato. Cá, nós pouco falamos sobre políticos em fim de gestão

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Karoly Arvai/Reuters

Durante muitos anos, o maior ícone da política moderna no planeta foi um edifício da cidade de Budapeste. Era o maior parlamento do mundo: 700 ambientes de puro luxo e ostentação. Hoje, lá também funciona um museu e a peça mais visitada do prédio inteiro é um pedacinho de metal. Um porta-charutos.

Devo acrescentar que o objecto é numerado e parece meio gasto. Dizem que ele se tornou relevante por que cada senador tinha direito a um número. No intervalo entre as sessões, eles fumavam na varanda e depois deixavam seus charutos lá, cada um no seu lugar, para terminarem de fumar nos dias seguintes. O cargo no parlamento era vitalício e, às vezes, quando um senador falecia, os outros precisavam escolher um substituto. Logo, o novato tomava posse de todas as obrigações da função. Só o direito ao uso do porta-charutos era conquistado depois, com o passar dos anos. Quando ele se mostrasse à altura do cargo. Se o eleito demonstrasse honestidade e empenho. E isso não acontecia no momento da ascensão. Era a coroação de um resultado.

Até hoje, na Hungria, um momento importante dentro do cenário político é o fim de um mandato. É quando se agitam bandeiras e acontecem estas manifestações que, aqui, estão associadas a uma vitória nas eleições. Cá, nós pouco falamos sobre políticos em fim de gestão. O balanço de um governo consta basicamente na prestação de contas ao Ministério Público, que nem vale uma nota na imprensa. Aqui, sinónimo de aprovação popular é a tomada de posse de um sucessor ou uma reeleição. Vivemos uma espécie de banquete sem digestão, de prelúdio sem ópera: no dia em que passam a faixa, homens e mulheres mergulham no anonimato sem nenhum rito de passagem, seja de aprovação ou de repúdio. Não se guarda, ao menos nos arquivos dos media, nenhuma memória exacta sobre o que fizeram. Eles só voltam aos palanques caso pleiteiem outro cargo público — num círculo interminável que vem formando óptimos “marketeers” e péssimos gestores. Num país realmente preocupado com resultados, nenhuma preparação seria mais importante do que o desfecho.

É certo que os tempos mudaram, que os governos evoluíram, mas talvez a democracia nunca tenha sido tão performática. Na maioria dos países, o período de campanha eleitoral se converteu numa corrida baseada na repetição, na persuasão, no discurso. E é curioso como os eleitores ignoram os índices dos últimos quatro anos, como preferem debater sobre promessas ainda abstractas. Se pensarmos pela lógica húngara, onde estão os dados? O que temos a dizer sobre os que estão deixando a mesa? Quantos eleitos já tomaram posse no nosso parlamento? Por fim, quantos realmente mereceriam espaço num porta-charutos hipotético por seus resultados?

Provavelmente, não sabemos. Desconhecemos os números. Mas sabemos qual é o “slogan” e qual o “jingle” do próximo candidato. Em breve, voltaremos todos às urnas, cheios de fé e esperança num país melhor e mais justo. Que vença, outra vez, o melhor publicitário.

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