Um protesto de trabalhadores que já é quase uma oração

CGTP-IN convocou para esta quinta-feira em Lisboa e no Porto marchas “contra as injustiças e desigualdades”.

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Em Lisboa, a manifestação, que terminou junto à residência oficial do primeiro-ministro Enric Vives-Rubio
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No Porto, a manifestação partiu do Largo dos Lóios e acabou em Santa Catarina Fernando Veludo/NFactos
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O secretário-geral da CGTP-IN, Arménio Carlos, não quis deixar em branco a presença da troika – a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional – em Portugal. Parece-lhe que “vale a pena prosseguir a luta para derrotar as políticas de austeridade”. Milhares de pessoas quiseram esta quinta-feira dizer o mesmo em Lisboa e Porto.

Cada cidade definiu um roteiro simbólico “contra as injustiças e as desigualdades”. Em Lisboa, a manifestação, que terminou junto à residência oficial do primeiro-ministro, partiu de três pontos: Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, Ministério da Educação e Ministério da Saúde. No Porto, começou no Largo dos Lóios, junto à Praça da Liberdade. Adultos de ar sério, alguns a segurar uma tocha, como fiéis numa cerimónia religiosa, seguiram uns atrás dos outros até ao centro comercial Via Catarina, na mais comercial rua da cidade.  

- Abril de Novo - gritava  alguém.

- Com a força do povo! – gritavam muitos.

- A luta continua….

- Nas empresas e na rua!

Ia um homem à frente, dentro de um carro cinzento, de microfone na mão. E outro a meio, de altifalante em riste. Atrás de cada um deles, homens e mulheres respondiam sem se atrapalharem, no misto de firmeza e frouxidão de quem mantém a fé, mas já conhece o ritual de uma ponta à outra.

- Quem luta sempre alcança…

- Queremos mudança!

- É preciso, é urgente…

- Uma política diferente.

“Somo poucos, mas somos certos”, afiançava Ana Moreira, 70 anos, a erguer um cartaz branco com uma frase a negro: “Fartos de aldrabões, queremos eleições”. Sempre que há manifestação contra as políticas em curso lá está ela – ela e o “companheiro, amigo, amante, camarada”. Ele nem se via. Parecia ter sido engolido pela mancha de bandeiras vermelhas. “Está aí na luta. Trabalhou na siderurgia, descontou cada hora, ficou sem um pulmão e agora está a ser roubado!”

Naquela espécie de prece, os manifestantes subiram a Rua de 31 de Janeiro. Nos passeios, turistas tiravam fotografias. Ana Moreira agradecia-lhes a vontade de registar aquele sinal de que o país “não está melhor”, como diz o primeiro-ministro. Prova disso era ela mesma: “Ando com uma placa a cair da boca, nem posso falar direito.” Nem por isso se calava. “O que querem é que esteja tudo caladinho. Eu sou analfabeta, mas sei que se estivesse tudo bem, não havia tanta emigração.”

Em Lisboa, no fim de tudo, Arménio Carlos haveria de fazer um diagnóstico mais preciso: “No momento em que a troika se encontra de novo no nosso país para efectuar a 11.ª avaliação do memorando, os factos e os números confirmam que depois destes três anos de submissão ao programa de agressão o investimento caiu a pique, a dívida está no limiar dos 130% e os juros atingiram montantes exorbitantes, tornando a dívida impagável. O país está, assim, numa situação politicamente insustentável, economicamente ruinosa, social e culturalmente catastrófica.”

Nos últimos dias, muito se tem falado na despedida da troika. “Com uma saída à irlandesa, um programa cautelar ou o que lhe quiserem chamar, o que pretendem é condenar os trabalhadores e as suas famílias a uma exploração e a um empobrecimento ilimitado no tempo”, sustentou Arménio Carlos. “Agora vêm falar de compromissos. Compromissos com quem?”, perguntou. Os compromissos da CGTP passam por outra política, afirmou, exigindo a renegociação da dívida, a defesa do sector produtivo e o aumento do salário mínimo para 515 euros.

- Este Governo hostil – gritava-se, ainda, no Porto.

- Quer destruir Abril!

- Está na hora, está na hora….

- De o Governo ir embora!

A Ilda Figueiredo, ex-eurodeputada do Partido Comunista Português, não parecia relevante discutir se eram muitos ou poucos a marcar presença contra “as injustiças e as desigualdades”. “Há permanentemente acções de rua”, lembrava. “Não se pode olhar para uma de forma isolada, mas para um vasto conjunto em diferentes zonas com diferentes objectivos. Nunca se protestou tanto em Portugal.”

A CGTP-IN já anunciou nova semana de luta a decorrer entre 8 e 15 de Março. Dia 28, Dia Nacional da Juventude, haverá nova manifestação.

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