A arte portuguesa e a crise na Trienal de Milão

Teolinda Gersão, José Barrias e José Adrião foram os nomes escolhidos para representar Portugal em Itália.

Foto
A recuperação da Casa dos Prazeres, em Alcântara DR/FG+SG

Uma escritora, Teolinda Gersão, um artista plástico, José Barrias, e um arquitecto, José Adrião. São três nomes de áreas diferentes convidados para reflectir sobre um mesmo tema: a arte e a crise. O resultado são três instalações distintas que estarão em exposição a partir de amanhã, e até ao dia 23 de Março, na Trienal de Milão, em Itália.

As palavras da escritora Teolinda Gersão vão transformar-se em Milão em palavras de ordem por uma sociedade que pode e tem de mudar. Mudança, essa, que o arquitecto José Adrião, e o seu atelier José Adrião Arquitectos, mostram  estar já a acontecer. Enquanto o artista plástico José Barrias procura um novo diálogo "à sombra das coisas futuras".

“Cada um de nós pegou no tema como quis. Nenhum sabia o que o outro estava a fazer”, diz ao PÚBLICO Teolinda Gersão que integra a exposição Arte In Tempo Di Crisi, no âmbito do Festival Internacional de Cinema SGUARDI ALTROVE e na qual Portugal está representado ao lado de Espanha, Grécia e Itália, países também afectados pela crise. A escritora foi escolhida pelo curador italiano Roberto Cremascoli, que vive no Porto, e foi convidado pela Trienal de Milão para fazer a exposição portuguesa. O curador chamou também José Barrias e José Adrião.

Ao PÚBLICO, Roberto Cremascoli justifica a escolha destes nomes, explicando que "há muito tempo que queria juntar um escritor, um artista plástico e um arquitecto para preparar uma instalação". "Convidei uma escritora para escrever o "guião", Teolinda Gersão com PIGS, os porcos do Mediterrâneo, o José Barrias, artista plástico português italiano, homem do mediterrâneo antigo e moderno, "arqueólogo" que divide o seu pensamento narrativo entre Itália e Portugal, e o José Adrião que trabalha em Lisboa em arquitectura sempre no limite, com poucos recursos, mas de uma forma poética", explica o curador, acrescentando que é a "poesia que resume a participação dos três".

“O resultado é muito interessante, cada um fez uma coisa diferente”, conta Teolinda Gersão, que apresentará em Itália, numa instalação sonora à entrada da Trienal, um texto inédito da sua autoria e que tem por nome PIGS. “Escrevi um texto deliberadamente de intervenção em que digo que os PIGS [Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha] não somos nós, embora tenhamos alguma culpa na situação onde chegámos por vários erros de gestão. Os PIGS são aqueles que querem açambarcar o poder e o dinheiro”, continua a escritora, para quem estes “PIGS” têm vindo a destruir a sociedade.

É por isso que na Trienal de Milão o seu texto se transformará numa instalação sonora, para que, de alguma forma, ganhe força. “O texto, que é lido em português pela arquitecta Marta Rodrigues, vai ser também projectado na parede”, explica Teolinda Gersão, revelando que as suas palavras serão “sussurradas como se de uma mensagem de resistência se tratasse”. “O texto é dito com muita pressa, com muita urgência, como quem não quer morrer sem passar aquela mensagem.”

Enquanto o texto é lido, a sua cópia estará também disponível, em português e italiano, para que qualquer pessoa o possa levar consigo. “Não sou das artes plásticas e por isso foi muito importante contar com as ideias do Roberto Cremascoli”, conta a escritora, explicando que o curador chegou a ela por ter lido A Cidade de Ulisses (Sextante Editora), uma das obras da escritora portuguesa que também está editada em Itália.

Neste romance, sobre dois artistas plásticos que vivem uma história de desencontro e encontro e que se propõem a repensar o mundo, há uma referência ao artista José Barrias, cujas obras serviram de inspiração para uma parte desta história. Teolinda conta que quando estava a escrever o livro pediu autorização ao artista para fazer estas referências. Agora estão os dois lado a lado na Trienal, embora para este projecto não tenham comunicado. José Barrias vai apresentar uma instalação que tem por nome L’Ombra Delle Cose Future (A Sombra das Coisas do Futuro).

Já José Adrião está entre o passado e o futuro. O arquitecto apresenta em Itália uma instalação vídeo sobre a recuperação da Casa dos Prazeres, em Alcântara, Lisboa. Para o arquitecto esta foi a forma de reflectir como “a crise significa fundamentalmente a mudança dos paradigmas de actuação”. “Está mais relacionada com novos valores do que com pressupostos económicos”, diz José Adrião ao PÚBLICO, explicando que a reabilitação “é a actividade que neste momento os arquitectos mais têm em Portugal”.

Mas Adrião não considera que esta opção seja uma mera consequência da crise, representando antes uma mudança de mentalidade. “Em vez de se estar a construir de novo e continuarmos a fazer cidades novas – Lisboa construiu três, quatro cidades à sua volta –, está a perceber-se como é que a cidade antiga pode ser melhorada, está a trabalhar-se com pré-existências”, explica o arquitecto, que quer mostrar em Milão “como aquilo que está velho pode ser reutilizado em vez de ser deitado fora”.

Notícia actualizada no dia 27/02 às 12h02: Acrescentadas as declarações de Roberto Cremascoli

Sugerir correcção
Comentar