Patagónia chilena: uma semana no melhor fim do fim do mundo

A estátua de Fernão de Magalhães, no centro da praça principal, fez-me descobrir a origem da nossa Praça do Chile, em Lisboa

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Neste cenário, abaixo de todos os outros continentes, sente-se o fim. E não há melhor fim do que este fim do mundo. Chegar à Patagónia chilena implica viagens intermináveis. Mas toda a viagem é merecida: entre a Cordilheira dos Andes, a imensidão e beleza do mar e o vislumbre da era glaciar, todo o segundo é verdadeiramente valioso.

Punta Arenas, capital da província Magalhães, é banhada por um estreito chamado... Magalhães. Ou aliás "Magallanes", pois o nosso Fernão servia o rei de Espanha quando aqui chegou. E deu nomes a tudo: Patagónia vem de um livro que leu sobre seres humanos gigantes, ou patagonos; Pacífico, o oceano, vem das águas calmas que encontrou a seguir ao estreito com o seu nome, e Terra do Fogo porque nesta região viam-se fogos nas casas das populações indígenas. Ninguém faz ideia que Magalhães era português.

A cidade deita-se sobre uma colina com casas multicolores em frente a um mar que só termina com a Antártida imaginada no horizonte. A estátua de Fernão de Magalhães, no centro da praça principal, fez-me descobrir a origem da nossa Praça do Chile, em Lisboa: o Governo do Chile ofereceu ao Governo português uma estátua de Magalhães igual à de Punta Arenas, que foi colocada em plena Almirante Reis.

Cada recanto de Punta Arenas tem história, nomeadamente a história dos imigrantes alemães, croatas e chilenos da ilha Chiloe que povoaram a região, ou ainda do ali famoso português José Nogueira, considerado como um pioneiro do desenvolvimento. Mas Punta Arenas é sobretudo um ponto de partida: para a Antártida, para ver colónias de pinguins rei em Porvenir, Terra do Fogo chilena, pinguins magalhães na Ilha Madalena e para chegar a Puerto Natales.

Base para quem deseja equipar-se para a aventura Torres del Paine, o parque natural chileno mais concorrido para praticar "trekking", Puerto Natales vive-se e sente-se com o peso do nome da sua província: Última Esperança. Neste cenário idílico, já se avista, com nitidez, as montanhas de Torres del Paine. E a ansiedade de chegar a esse monumento único da natureza aumenta.

É o dia de partir. Três horas de autocarro para chegar a Laguna Amarga, uma das entradas do parque, já a sonhar com os dias de isolamento e pura entrega à natureza. Aqui explicam-nos as regras do parque, dão-nos um mapa com os percursos possíveis, pagam-se 30 mil pesos chilenos para entrar (cerca de 40 euros!), e estamos por nossa conta.

Percurso em W

O percurso W destas montanhas é o mais famoso e o que todos os guias indicam para percorrer em cinco dias. Só não dizem que estas contas são feitas para praticantes regulares de "trekking" que apreciam a paisagem em velocidade. Dormir e comer nos refúgios que se encontram no pé das montanhas é uma boa opção, mas obriga a marcar tudo com meses de antecedência. Por isso se encontram, a subir as montanhas, mochileiros vindos de todo o mundo com tenda e comida às costas prontos a caminhar três horas para chegar aos parques de campismo gratuitos a meio dos percursos.

Os meus dias de caminhada souberam a pouco e os percursos que fiz mereciam ter sido prolongados com dormidas em plena montanha. Nestas caminhadas sem fim, o tempo deixa de ter uma duração e acompanha as mudanças de paisagem. Os pensamentos tornam-se fluídos, ao ritmo dos desafios: pontes em madeira sobre rios, mini-escaladas de pedras, paisagens em movimento que nos surpreendem com torres magníficas e... um glaciar, o Glaciar Grey, que ali está desde a era do gelo e que foi observado por Darwin e muitos outros exploradores.

Esta experiência fez desaparecer todo o mundo que tinha deixado para trás, em Lisboa. Até encontrar um grupo de portugueses pelo caminho. E, de repente, dar comigo a falar de cinema português em plena Patagónia chilena. O melhor fim do fim do mundo.

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