“De quem é este bebé?!” Calma, é só um boneco

Não é "uma mulher a brincar com bonecos". Manuela Meneses vê os "reborns" como "quadros a três dimensões", como arte. Tem cerca de 20 e todos têm uma história para contar

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Joana Bourgard

Há dois anos, Manuela Meneses entrou numa farmácia com o "prematuro" James ao colo. Vestiu-o a rigor: umas botinhas feitas à mão, tal e qual as do neto, uma capinha. Ia mostrá-lo a um amigo que queria surpreender a esposa com um presente original. Chegou, perguntou por ele, pediram-lhe para esperar. Assim fez. Pousou James em cima do balcão, virou costas e foi espreitar um dos escaparates com produtos, até que uma exclamação ligeiramente angustiada a despertou: "De quem é este bebé?! Pousam uma criança com esta idade em cima do balcão!"

Manuela ri-se, enquanto desfia algumas das situações que já enfrentou graças aos seus "reborns" (tem cerca de 20 e não se considera "coleccionadora"). Teve de convencer a farmacêutica que James não era realmente um bebé, insistiu para que ela o tocasse. "Não acreditou até lhe mexer. Só aí acalmou. Ficou impressionadíssima com a forma como se sentiu enganada." Até o marido pasmou quando encarou James pela primeira vez: "É tal e qual a minha neta."

Começa a entrevista por telefone e Manuela, 54 anos, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, a trabalhar em secretariado no ramo da importação/exportação, faz de imediato um ponto de honra: "Sou uma pessoa totalmente normal, casada, com filhos, enteado e netos." Recusa as "motivações" que por vezes são implicadas aos compradores de "reborn", vistos "mediaticamente" como pessoas "carenciadas" que recorrem aos bonecos para, por exemplo, fazer o luto dos filhos e netos desaparecidos. Uma prática "mórbida" que é, na realidade, rara, diz Manuela, em sintonia com o que a "newborner" Andrea Melo defende.

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Aylin Vitoria (kit Saoirse) Manuela Meneses

É uma "arte", repete, que encontrou (ou a encontrou) em 2005. Desde aí, conta com a companhia de, entre outros, James, Junior, Leonor, Matilde, José, Miyuki (grande parte das vendas deste "kit" reverteram a favor das vítimas do tsunami no Japão) e Aylin Vitoria (Manuela até nem é muito de "novelas", mas confessa que adquiriu esta boneca por ser tão parecida com a "simpática" bebé Vitória da novela "Fina Estampa"). Pequenas particularidades: dá novos nomes a quase todos e os dos rapazes começam sempre por J; todos têm certificado de autenticidade, com a indicação do n.º de série do "kit" e respectiva autoria, e de nascimento, com o local e a data da montagem final, o nome, o peso e a medida; todos têm uma ou outra história para contar.

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Os reborns, como James, devem vir acompanhados de vestuário e/ou acessórios e instruções Manuela Meneses

Mas... porquê?

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Há escultores destes bonecos em todo o mundo Joana Bourgard

Não há preferidos. "Não é possível." Porquê comprá-los? "Porque gosto, porque me dizem qualquer coisa. Há bebés que são parecidos com alguém que conheço, outros que me despertam sensações. O meu gosto vai variando. Iluminam a vista, fazem muito bem à alma." Fotografa-os, gosta de "contar histórias", "recriar situações". E não só com os "reborns". Fala com igual fervor das bonecas Blythe, que vai adquirindo, de uma boneca de infância, que manteve até hoje, de uma Simon & Halbig de 1906, que guarda "religiosamente".

Quem sabe, talvez seja também o "instinto maternal" à mistura. Foi-se apercebendo, com o tempo, que gosta "de facto" de bebés. "E eles crescem tão depressa, é tão difícil preservar essa sensação de ter um bebé ao colo." Claro que um "reborn" não é um bebé, é um boneco. E é "arte". Olha-os como "quadros a três dimensões", feitos por "verdadeiras artistas" como Romie Strydom, Bonnie Brown, Jullie Molloy, Olga Auer ou os portugueses Andrea Melo, Paula Lobato Faria e António Vieira. "É essa a sensação que tenho. É um olhar técnico, estético. Não é qualquer pessoa que é artista." Há bonecos tão "perfeitos" que são "impressionantes", como o Alejandro de Laura Tuzio-Ross (vídeo à esquerda). Aliás, há-os para todos os gostos e carteiras. Há quem os faça verdes e azuis, "à lá" Avatar, há quem dê dois ou 18 mil euros.

Valores "exorbitantes" a que Manuela não chega. O seu orçamento varia entre os 170 e os 500 euros. "Uma pessoa que fuma durante um mês consegue comprar um 'reborn'", evidencia. É "quase impossível" ser-se coleccionador destes bonecos. Há escultores em todo o mundo e cada um vai produzindo diversos "kits" (conjunto de cabeça, braços e pernas com determinado formato e expressão), por vezes até em três tons de pele; o mesmo "kit" pode dar origem a bonecos completamente diferentes, tudo depende do artista. Por isso rejeita o epíteto "coleccionadora" porque não se pode "fazer uma colecção até ao fim". "Não é como com selos, em que se sabe que há seis e tenta-se ter os seis. É capaz de haver tantos 'reborns' como crianças no mundo. E ninguém colecciona crianças."

Não é "uma mulher a brincar com bonecos". Sim, "há quem os vista, quem passe os tempos livres com eles, quem os transporte como bebés em cadeirinhas." Mas, mais uma vez, é "raro" e "mórbido". Também "não são Barbies", são "bonecos-bebés". Manuela guarda-os em caixas, normalmente com uma peça de roupa branca para não manchar o vinil. Se tivesse instalações maiores, talvez tivesse um espaço para os expor. "Nada disto pressupõe que uma pessoa que seja normal os trate como bebés. Há uma paixão pela arte como há por outras artes."

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