O amanhã dos tribunais

Pode a reforma do mapa e da organização judiciária mudar a face da justiça portuguesa? Para responder a esta pergunta, analiso a atual reforma à luz dos seguintes fatores: cidadania e confiança social, acesso à justiça, eficiência e qualidade.

Cidadania e confiança social. Os tribunais judiciais são instrumentos centrais da qualidade da democracia, desempenhando amplas funções, designadamente, de proteção e de efetivação de direitos, liberdades e garantias, de controlo social, de facilitação do desenvolvimento social e económico, mas também funções simbólicas, onde se joga muita da reserva de confiança dos cidadãos no funcionamento das instituições do Estado e na realização da justiça. Quando os cidadãos do interior do país cantam grândolas ao seu tribunal é tudo isso que estão a defender. O processo de reforma deveria, por isso, permitir a participação dos cidadãos na procura do equilíbrio entre racionalidade e proximidade, compreendendo que o desenvolvimento de políticas públicas inclusivas fortalece a democracia e a coesão social e que elas não se alcançam apenas com a formal legitimidade política, saída de um processo eleitoral.

Acesso à justiça. O acesso aos tribunais está hoje condicionado por muitos fatores, como o valor das custas judiciais, as restrições ao apoio judiciário, o maior ou menos acesso a outros serviços judiciários, em especial, do Ministério Público. Mas, a distância geográfica é também uma componente importante do acesso, e a reforma do mapa judiciário não deveria contribuir para agravar a desertificação do território. Com esta reforma, a justiça ficou, em geral, mais distante. É preciso compreender o empobrecimento das populações, as assimetrias territoriais, as dificuldades e os custos com deslocações de partes e de testemunhas, até que o processo termine. Os equilíbrios entre racionalidade, acesso e cidadania podem ser obtidos por vias que não sejam tão punitivas para as populações que resistem no interior do país. Experiências de justiça itinerante, como no Brasil ou no Canadá, mostram como é possível encontrar equilíbrios entre racionalidade e permanência dos espaços de justiça com o seu simbolismo e proximidade. Esta via deveria ficar clara na reforma. E, nesta reforma, não fica. Daí ser legítima a suspeita que, mesmo as secções de proximidade rapidamente cedam a critérios de economia.       

Qualidade e eficiência. A aposta na especialização e a concentração de litigação, como é o caso das ações executivas, pode trazer ganhos de qualidade e de eficiência. Contudo, em determinadas matérias, em especial no âmbito da justiça de família e de menores e laboral, a concentração deveria ser combinada com serviços de proximidade, designadamente do Ministério Público, de forma a não condicionar o acesso. Mas, a eficiência e a qualidade estão muito longe de poderem ser alcançadas apenas com a especialização das organizações da justiça. Os cidadãos e as empresas continuam a esperar, muito para lá do razoável, nos atuais tribunais de competência especializada. É, por isso, fundamental que os profissionais que desempenham funções nas secções especializadas adquiram formação especializada, o que não acontece, e que sejam introduzidas inovações no funcionamento interno e nos métodos de trabalho das unidades de apoio e de tramitação de processos, que permitam alterar um modelo funcional de décadas. Mas, sobre estas vertentes, a reforma pouco ou nada diz. 

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