Cláudia Pereira, a cientista portuguesa que trabalha na FDA

Portuguesa investigou a hipótese de produzir sangue sintético e hoje estuda uma proteína associada a problemas pulmonares

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Susana Félix/DR

Quando se fala numa nova droga terapêutica, e na sua aprovação nos Estados Unidos, vem sempre à baila a sigla FDA. A Food and Drug Administration (FDA) é a agência federal norte-americana que regula o uso de medicamentos — uma organização da qual Cláudia Pereira nunca sonhou fazer parte. Mas é na FDA, em Maryland, que a cientista portuguesa de 35 anos trabalha. Inicialmente investigou a possibilidade de produzir sangue sintético, hoje estuda as funções de uma proteína associada a problemas pulmonares.


Tudo começou com o doutoramento que fez no Hospital Universitário de Zurique, na Suíça, a partir de 2005. O laboratório onde Cláudia estava a desenvolver o seu projecto tinha uma colaboração estreita com a FDA, o que abriu portas para um convite para uma posição de “pós-doc” em Washington durante um ano.


“Quando me mudei para Washington, em 2009, percebi que o tipo de investigação científica feita na FDA tinha um impacto mais imediato na saúde da população, já que a missão da FDA é certificar-se que os medicamentos que chegam ao público são seguros e eficazes”, explicou Cláudia ao P3. A cientista, natural do Porto, decidiu então ficar nos EUA e apostar numa carreira dedicada à investigação e à regulação de medicamentos.

Do sangue sintético à proteína A1PI

Quando chegou aos Estados Unidos, Cláudia Pereira trabalhou num projecto relacionado com a produção de sangue sintético — o chamado HBOC (“hemoglobin based oxygen carriers”, na sigla em inglês), ou seja, uma solução de transporte de oxigénio baseado em hemoglobina. A ideia, segundo explica, era desenvolver uma molécula derivada da hemoglobina que fosse mais estável e que fosse capaz de transportar oxigénio. Assim, numa situação de urgência em hospitais, seria possível estabilizar doentes que perderam demasiado sangue num acidente ou cirurgia, por exemplo. 

A criação de sangue artificial é um projecto que ocupou diferentes equipas de cientistas há mais de duas décadas. “Várias empresas investiram tempo e dinheiro no processo de desenvolvimento do composto. Três candidatos apresentaram resultados clínicos encorajadores, o que levou a FDA a autorizar a utilização destas substâncias em ensaios clínicos com humanos”, conta Cláudia. Os ensaios clínicos foram cancelados quando os resultados preliminares revelaram a ocorrências de problemas cardíacos associados ao uso da substância. 

O sonho do sangue sintético, por isso, nunca se tornou realidade. Actualmente, os investigadores da FDA estão a tentar compreender melhor os mecanismos moleculares associados à toxicidade do composto utilizado. O objectivo é, no futuro, desenvolver uma nova geração de substitutos do sangue que sejam seguros e eficazes em humanos. Mas este já não é um projecto que Cláudia Pereira tenha em mãos. Entretanto, a cientista portuguesa interessou-se por uma proteína chamada A1PI. 

O projecto actual de Cláudia tem como objectivo o desenvolvimentos de terapias adjuvantes para doentes cujo organismo produz uma versão mutada da A1PI. A deficiência em A1PI é genética, causa uma degradação do tecido pulmonar e constitui um factor de predisposição para a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC). Hoje, a única terapia disponível para estes pacientes é a infusão semanal de A1PI purificada a partir do plasma de dadores de sangue. 

“Nós acreditamos que a compreensão de novas funções biológicas desta proteína pode levar ao desenvolvimento de diferentes formas de tratar estes doentes. A razão pela qual eu estou a trabalhar neste tipo de investigação é que o meu departamento na FDA está encarregue de regular os produtos purificados a partir de plasma, o que inclui a proteína A1PI”, diz Cláudia.

“Futuro negro” para ciência no país

Se pensa em voltar a Portugal a curto prazo? Não. A médio prazo? Também não. Cláudia reconhece que a ciência em Portugal evoluiu imenso nos últimos anos, mas considera que “não há no país nenhuma estrutura que permita o tipo de trabalho e carreira” que ambiciona. Acresce que, na sua perspectiva, a política científica actual não é auspiciosa. “Os cortes recentes nas bolsas de doutoramento e 'pós-doc' fazem-me antever um futuro negro para a ciência em Portugal”, afirma a investigadora. 

“A Fundação Ciência e Tecnologia demonstra uma total falta de rigor em todo o processo de administração e atribuição de dinheiros públicos. Isto espelha a realidade de todo o país e uma das razões pelas quais chegámos à situação de resgate [pelo Fundo Monetário Internacional]”, afirma Cláudia.

  

Parte da informação contida neste texto foi recolhida ao abrigo do Programa José Rodrigues Miguéis, da FLAD

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