A decadência: “o bom aluno”

Depois do fracasso da “modernização” democrática, virão vinte anos de vacas magras e de cinismo ou desespero.

Empurrado pelas circunstâncias, foi Cavaco Silva quem finalmente atestou a menoridade indígena com a expressão “o bom aluno”. Bom ou mau o aluno é por natureza um ser incompleto e subordinado. A partir da altura em que se reconheceu como tal, Portugal adoptava para si o “modelo europeu”, a que de resto se conformou com zelo e até às vezes com entusiasmo.

Mas Cavaco, como a multidão de “modernizadores” que o precederam e seguiram, ignoraram dois pontos fundamentais. Primeiro, a sociedade não muda pela simples vontade política do poder. Segundo o “atraso” do país não se curava simplesmente com alguma disciplina financeira (a que, aliás, nunca chegou); ou com obras públicas para impressionar o estrangeiro e espantar o patego.

Claro que o país tinha de se tornar compatível com a civilização material a que pertencia. Só que, como habitualmente sucede com os plagiadores, exagerou. Os sapatos demasiado bicudos do epílogo de “Os Maias” não se distinguem em substância do excesso de amor pelo betão, que em parte nos levou ao presente sarilho. Pior ainda: a burguesia e a classe média, a que em última análise se devia a miséria de Portugal, e a populaça a que ela fora imposta, também adoptaram as regras do “bom aluno” e pediram irrecusavelmente o estatuto e a prosperidade de que lá fora gozavam os seus pares e que a nossa economia, fraca e quase paralítica, não lhes podia dar. Houve desde o princípio um fosso entre o optimismo oficial do “bom aluno” e o que, na sua inocência, os portugueses queriam e esperavam.

Contrariada ou alacremente, o Estado preencheu esse fosso e, para o preencher, pôs de parte o código do “bom aluno”, como se ele já não lhe servisse e o país se bastasse a si próprio. Cavaco assistiu calado a este desastre, que ele próprio provocara, e consentiu sem uma palavra que a sociedade e o Estado se afundassem tranquilamente em dívidas tão absurdas como irredimíveis. Com a salvação da Pátria do PSD e de Passos Coelho voltaram as pragas tradicionais da “decadência” e do “atraso”, que depressa redescobriram os vícios atávicos do português: a sabujice, a dependência, a resignação e uma espécie de sebastianismo de trazer por casa na forma obscura e longínqua do BCE. Nem falta a ditadura dos partidos do centro, nem a melancólica impotência do Presidente da República. Depois do fracasso da “modernização” democrática, virão vinte anos de vacas magras e de cinismo ou desespero. E agora o remédio é duvidoso e talvez mortal.
 

 

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