Leste da Ucrânia ameaça não reconhecer novo poder em Kiev

Vitória da oposição em Kiev acentua reivindicações separatistas na Crimeia.

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Manifestação em Sebastopol:“Mãe Rússia, salva do fascismo os teus filhos abandonados” VASILIY BATANOV/AFP

O poder mudou de mãos em Kiev, mas nem toda a Ucrânia parece disposta a seguir-lhe o caminho, aumentando o risco de uma partição entre o Oeste, nacionalista e pró-europeu, e o Sudeste, russófono. Em Kharkov, Donetsk e sobretudo na Crimeia a população ameaça não reconhecer as novas autoridades.

“Os fascistas tomaram o poder em Kiev”, proclamava, de megafone na mão, um dos organizadores da manifestação que neste domingo juntou dez mil pessoas na praça central de Sebastopol, porto onde a Rússia tem sediada a sua Frota do Mar Negro, relatou a AFP.

A base naval é um símbolo da ligação umbilical da república autónoma da Crimeia a Moscovo: a península pertenceu à Rússia até 1954, quando foi transferida para Kiev pelo líder soviético Nikita Khrustchov, e é ainda hoje a única das regiões ucranianas onde a maioria da população é de origem russa. Se nas outras regiões do Leste o russo é falado pela maioria da população, ali é a língua mãe de mais de 90% dos habitantes.

É, por isso, também ali que é mais aguerrida a contestação ao que está a acontecer em Kiev – uma mudança que, dizem os analistas, reforça os sentimentos separatistas na região e dá argumentos à Rússia para apoiar uma eventual cisão. Quinta-feira, um responsável do Kremlin disse ao Financial Times que a Rússia estaria disposta a ir em defesa da Crimeia, “se a Ucrânia se desintegrar”, e o jornal Moscow Times lembrava que Moscovo não pensou duas vezes quando em 2008 a Geórgia tentou assumir o controlo sobre a região separatista da Ossétia do Sul.

“Mãe Rússia, salva do fascismo os teus filhos abandonados”, lia-se num dos cartazes levados para a manifestação em Sebastopol, contou o jornalista da AFP, acrescentando que na multidão muita gente que se dizia disposta a “defender a cidade dos bandidos”.

Um enviado da Time contou que na cidade correm apelos à criação de milícias de autodefesa e a convicção de que os grupos de extrema-direita que estiveram na frente dos confrontos com a polícia vão invadir a Crimeia. “O que acha que eles vão fazer com as armas que roubaram à polícia em Kiev? Vêm para cá fazer guerra”, disse à revista Serguei Bochenko, que se identificou como comandante de uma milícia local a que chamou “Batalhão Cossaco da Rússia do Sul”. Apesar da especulação, o primeiro-ministro do governo regional, Anatoli Moguilev, disse à AFP que a península vai “executar” as decisões do Parlamento.

Mais indefinida é a situação nas outras regiões russófonas. Sábado, representantes das regiões da metade sudeste do país reuniram-se em Kharkov, na fronteira com a Rússia, e aprovaram uma resolução em que contestavam a legitimidade das decisões do Parlamento e anunciavam que iriam tomar em mãos a “responsabilidade pela manutenção da ordem constitucional”. Ontem, centenas de pessoas estiveram na praça central da cidade para proteger a estátua de Lenine, símbolo da ligação – económica e cultural – da região a Moscovo. Mas um jornalista da BBC contou que manifestantes pró-oposição cercaram o edifício do governador e correm rumores de que ele terá fugido para a Rússia.

De Kiev vieram também sinais pouco apaziguadores. Uma das moções votadas neste domingo no Parlamento anula uma controversa lei de 2012 que reconhece o russo como língua oficial nas regiões onde os falantes são pelo menos 10% da população. A decisão, que promete acirrar a revolta nas regiões russófonas, foi saudada por Oleg Tiahnibok, líder do partido de extrema-direita Svoboda.

 

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