A universidade de excelência

Durante quase dois séculos, desde a fundação da Universidade de Berlim, pelos irmãos Humboldt (Wilhelm e Alexander), em 1810, a palavra-chave do pensamento sobre a instituição universitária foi “ideia”: a “ideia de universidade”, implicando um processo e uma busca ilimitadas e incondicionadas (seguindo os ditames do conhecimento), representou um programa utópico nascido do Iluminismo. Nas últimas três décadas, a palavra mágica que se impôs, primeiro nos Estados Unidos e depois na Europa, é “excelência”. Os centros de investigação e universitários “de excelência” destituíram a “ideia” que tinha presidido à universidade moderna. De Hegel a Derrida, passando por Karl Jaspers e muitos outros, a ideia de universidade foi ganhando definição, em função dos desafios, das ameaças e das solicitações da época. Mas a “excelência”, apesar do amplo uso a que o qualificativo tem hoje direito, permanece um conceito vazio, embora dotado da força cega que lhe é conferida por uma triunfante ideologia da avaliação. Tal como dinheiro, a excelência non olet, não cheira. E, na medida em que é completamente privada de conteúdo, não é verdadeira nem falsa, mas presta-se ao acordo categórico, a um assentimento respeitoso de todos. Uma das mais fortes e mais citadas análises desta situação foi feita por um professor de Literatura Comparada da Universidade de Montréal, Bill Readings, num célebre livro de 1995, chamado The University in Ruins (o autor morreu num desastre de avião quando já tinha revisto as provas do livro, publicado pela Harvard University Press; há uma tradução portuguesa desse livro, pela editora Angelus Novus, de 2003). Readings mostra precisamente que o termo “excelência”, sugerindo virtuosas e altas realizações, é não-referencial e desprovido de significação, a não ser quando é determinado por critérios que acabam por ser exteriores àqueles que deviam orientar a universidade. O que pode significar a “excelência”, se partirmos da ideia — um dos factores da famigerada “ideia de universidade” — de que a universidade deve ter a capacidade de produzir conhecimento não consensual e até heterodoxo e oferecer alguma fricção — o contrário da complacência e da submissão — a um sistema que quer funcionar com toda a tranquilidade? Lembremos as recentes declarações de alguns políticos portugueses, a propósito das bolsas de investigação, para percebermos o que isto significa. O discurso da excelência pode ser ilustrado com esta “anedota” de que Readings diz ter tido conhecimento através de um colega — um ilustre colega, aliás — da Universidade de Cornell, Jonathan Culler: os serviços do parque de estacionamento da Universidade tinham sido distinguidos com a nota de “excelência” (e isso contava para a sua avaliação), na medida em que conseguiram um notável funcionamento, aumentando o espaço disponível e a eficiência do trânsito. Outros exemplos do mesmo tipo levaram Readings à conclusão de que a universidade, tal como ele a via já em 1995, estava a tornar-se uma empresa, da qual os estudantes da Universidade de Excelência são clientes. Entre nós, esta ideia de alunos como clientes pode ainda manifestar-se com algum pudor, mas é claramente explicitada como estratégia e programa de atracção de estudantes estrangeiros. A este modelo de universidade, enquanto sistema burocrático votado à busca da “excelência”, em que fica ausente a questão da integração da “cultura” (e sobretudo da cultura nacional) chama Readings “universidade pós-histórica”. 

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