Ministro do Ambiente admite pressões para ser mais flexível no litoral

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"Raras são as semanas em que não aparecem promotores imobiliários, autarcas e bancos" Enric Vives-Rubio

Numa entrevista ao PÚBLICO, Jorge Moreira da Silva diz que todas as semanas recebe promotores imobiliários, autarcas e bancos a pedirem excepções para construção junto à costa.

Até que ponto tem confiança no que a ciência diz sobre o clima?
Tenho cada vez mais confiança quanto à relação de causa e efeito entre o nosso modo de consumo e produção de energia, as emissões de gases com efeito de estufa e a mudança climática. Aquilo que me continua a surpreender é a persistência de alguns fenómenos de resistência àquilo que é cada vez mais evidente. Portugal tem todas as razões para olhar para as alterações climáticas como uma das suas maiores causas. Ao mesmo tempo, Portugal é um dos países da UE que mais mecanismos e recursos têm para enfrentar as alterações climáticas.

Diz isso num momento em que mais uma vez vemos o mar a avançar sobre a costa. Onde estão estes recursos?
Temos recursos naturais vantajosos para a produção de energias renováveis, temos infra-estruturas já construídas, fizemos já grandes investimentos na qualificação de recursos humanos, temos boa engenharia, boas instituições. Mas, por outro lado, aquilo que temos visto nos últimos dias é infelizmente apenas uma amostra do que a mudança climática mais frequentemente nos pode trazer.

Não será um problema de ordenamento do território?
Raras são as semanas em que não aparecem aqui promotores imobiliários, autarcas, bancos, sugerindo se não encontro, em relação ao plano de ordenamento da orla costeira A ou B, um mecanismo mais flexível, menos exigente, se em vez de termos uma interdição de construção a 500 metros que essa interdição seja menor, atendendo à oportunidade de desenvolvimento turístico, à criação de emprego, a um determinado projecto. Se olharmos para o nosso litoral, onde vivem 80% dos portugueses, onde 67% da nossa costa está sob risco de perda de território, percebe-se por que razão temos de ter uma política de ordenamento do território absolutamente rigorosa, sob pena de estarmos todos os anos a convocar novas fontes de financiamento para proteger pessoas e bens muitas vezes localizados onde nunca deveriam estar.

Sempre que há estragos na costa, qualquer governante diz que vai investir milhões de euros. O que é que tem de novo a dizer que os seus antecessores não disseram?
O que há de novo é que, apesar de se ter muitas vezes falado nestes valores, eles nunca foram concretizados. O país tem a obrigação de, nos próximos dois anos, concluir as 303 intervenções que estão previstas no litoral.

Isto os seus antecessores também disseram…
O Orçamento do Estado para 2014 assumiu como grande prioridade na área do ambiente o litoral. Tenho os recursos financeiros orçamentados para concretizar as 303 intervenções. A grande alteração que ocorreu nos últimos dois anos foi ter-se concentrado todo o orçamento na protecção das pessoas e bens, e não tanto numa série de operações mais ligadas à estética ou a alguma valorização turística.

Há várias demolições previstas há anos. Vão avançar?
Algumas vão ocorrer, algumas já no Norte, na zona da Póvoa de Varzim. Em breve irei ao terreno. E não estamos com dúvidas existenciais: é necessário concretizar intervenções de recarga de areias, de reabilitação de protecções aderentes, de protecção de alguns esporões. Estamos também a concluir um plano de contingência para suprir, com novas intervenções, vulnerabilidades que foram identificadas nas últimas semanas. Estamos a falar de 10 milhões de euros adicionais para lá daqueles que estavam orçamentados – 300 milhões de euros para dois anos.

Os seus colegas no Governo também o pressionam para ser mais flexível no litoral?
Não tenho nenhum problema no Governo em relação ao alinhamento na defesa do litoral, na protecção ambiental, nas alterações climáticas. Aliás, devo ser um dos ministros europeus que têm o apoio mais robusto por parte de um primeiro-ministro. Se alguma coisa correr mal, só me posso queixar de mim próprio, não me posso queixar de falta de apoio político.

A proposta de lei de bases dos solos e do ordenamento do território que recentemente apresentou foi muito criticada por ser essencialmente urbanística. Como responde a isso?
Esta crítica é injusta, uma vez que esta lei envolve toda a tipologia de solos, e isso será muito mais notório à medida que avançarmos para os diplomas complementares.

Mas não tem quase nada sobre solos rurais…
Não é verdade. A lei de bases concentra a classificação dos solos em solo urbano e solo rústico.

À parte isso, não entra em quaisquer detalhes na parte rural como entra na parte urbana…
Por uma razão fácil de entender: a parte do solo rural e da área da biodiversidade está muito desenvolvida através de regimes de áreas protegidas, Rede Natura, REN [Reserva Ecológica Nacional] e RAN [Reserva Agrícola Nacional]. A grande dificuldade que temos enfrentado está precisamente no facto de termos tido um modelo de desenvolvimento assente em perspectivas ilusórias, alimentadas por crédito fácil e que levou a uma expansão da nossa urbanização para lá do que é viável. É natural que esta lei de bases se concentre muito nas questões do urbanismo.

Por que é que este Governo tem feito tão pouco na área da conservação da natureza?
Não me parece que esta constatação seja correcta. Conseguimos algo que tem sido criticado, mas que eu vejo como benéfico, que é articular a política florestal com a política de conservação da natureza. E o secretário de Estado de Ordenamento e Conservação da Natureza está neste momento a concluir um regime-quadro para a valorização económica das actividades que se inserem nos parques naturais. Não podemos de modo algum deixar de assumir que, se este é um património relevante, é necessário desenvolver actividades económicas ligadas ao turismo e outras áreas.

Uma das medidas que têm sobre a mesa é o lançamento da marca Parques de Portugal, que já esteve na agenda de vários ministros desde 2006.
Eu não quero reinventar a roda. Muitas das ideias que quero concretizar são ideias que praticamente todas as pessoas que acompanham a área do ambiente, da energia e da conservação da natureza e do ordenamento do território reclamam há muito tempo. Eu espero poder concretizar muitas destas ideias.

O que vai fazer caso o processo de privatização da EGF [a holding estatal para a área dos resíduos] fique parado devido a providências cautelares e recursos judiciais das câmaras municipais?
Não tenho nenhum trunfo na manga, a não ser a proximidade. Fiz tudo num quadro de grande transparência, de envolvimento com as câmaras e de trabalho de casa feito. E o trabalho de casa passa por responder a três perguntas: esta privatização é feita num contexto em que as metas ambientais são menos ou mais exigentes? A regulação no âmbito do PERSU [Plano Estratégico de Resíduos Sólidos Urbanos] define metas mais exigentes.

Mas onde está o PERSU? Ninguém conhece o documento completo…
Na semana passada foi dado a conhecer à Comissão Europeia e à troika, e a consulta pública vai avançar agora. A segunda questão é sobre as tarifas. Vai esta privatização ser feita num contexto de agravamento das tarifas ou não? E a resposta foi dada pela revisão do regime tarifário. E a terceira grande questão é se a privatização vai reduzir os objectivos de serviço público. A resposta é negativa: os objectivos de serviço publico foram reforçados.

Não teme uma guerra com as câmaras?
Estou de consciência tranquila. Houve um grande diálogo com os municípios, eu reuni-me com todos em duas reuniões promovidas pela ANMP e ainda recebi autarcas de vários sistemas para explicitar as nossas opções. E melhorámos o processo de decisão, uma vez que algumas das propostas dos autarcas foram integradas. O que está em causa nesta privatização não é apenas uma questão de encaixe financeiro. É uma questão de natureza conceptual, uma verdadeira reforma do Estado. Não concordo com a ideia de o Estado ser simultaneamente regulador, fiscalizador, concedente e agente em áreas em que o mercado está suficientemente infra-estruturado.

Nesse caso, então não tem de privatizar a Águas de Portugal também?
O Estado não deve ser agente na área dos resíduos, deve remeter-se a uma posição de fiscalizador e regulador, sendo certo que com a privatização as infra-estruturas permanecem públicas e no final da concessão, em 2034, serão resgatadas pelos municípios. No caso das águas, é completamente diverso. Vou dizer de uma forma redundante: o Governo não pondera, não equaciona, não admite privatizar as águas. Para meu desgosto e perplexidade, verifico que alguns responsáveis políticos estão deliberadamente a tentar confundir resíduos com água e dizer que privatizar o grupo EGF é uma antecâmara para privatizar as águas. Isso é falso. A forma repetida como alguns vão insistindo nesta afirmação é de uma enorme desonestidade intelectual.

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