Ginjinha Sem Rival em risco de fechar nas Portas de Santo Antão em Lisboa

Imobiliária de capitais russos denunciou o contrato de arrendamento e quer fechar o histórico estabelecimento dentro de quatro meses. Câmara aprovou hotel para o local, mas exigiu a manutenção daquele espaço.

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Oxana Ianin

A centenária Ginjinha Sem Rival da Rua das Portas de Santo Antão, uma licoraria que constitui um ex libris da Baixa de Lisboa, corre o risco de fechar definitivamente no próximo dia 1 de Julho.

A empresa proprietária do prédio comunicou recentemente à gerência da loja a denúncia do contrato de arrendamento a partir daquela data.

Nos termos da nova lei do arrendamento urbano, aprovada em 2012, os senhorios dispõem da faculdade de despejar os inquilinos, sem necessidade de qualquer acção judicial. Para o conseguirem, basta que a denúncia do contrato seja comunicada com seis meses de antecedência e tenha por fundamento a “demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação” do espaço arrendado.

Neste caso, a Câmara de Lisboa aprovou há dois anos um projecto de alterações para o edifício — propriedade da Plateia do Aplauso, uma sociedade anónima de capitais russos — que prevê a demolição do interior fortemente degradado e a sua transformação num hotel de apartamentos.

A aprovação do projecto ficou, porém, condicionada à manutenção da “ocupação e função” da pequena loja de 10 metros quadrados ocupada pela Ginjinha Sem Rival, a qual está inscrita no Inventário Municipal do Património anexo ao Plano Director Municipal. A informação camarária que fundamentou a aprovação do projecto hoteleiro refere, aliás, que apenas será autorizada a reabilitação da fachada da licoraria.

O PÚBLICO perguntou nesta quarta-feira à tarde à Câmara de Lisboa se a denúncia do contrato com a Ginjinha Sem Rival não implica o incumprimento da aprovação do projecto e a sua revogação pelo município, mas não foi possível obter resposta até ao momento.

Nuno Gonçalves, gerente do estabelecimento e bisneto do licorista galego que o fundou em 1890, manifestou ao PÚBLICO a sua desolação perante a eventualidade do fecho da casa. Sublinha que o senhorio nem sequer propôs um aumento da renda. O lojista atribuiu a iniciativa da Plateia do Aplauso a “uma aberração da nova lei do arrendamento, que permite acabar com um negócio de 120 anos em seis meses”.

O gerente sublinhou que a empresa vai tentar contestar a denúncia do contrato “de todas as maneiras possíveis e imaginárias” e acrescentou: “Somos completamente contra a descaracterização do centro histórico que está a acontecer em Lisboa, com a sistemática transformação dos edifícios em hotéis com restaurantes no rés-do-chão.”

Nuno Gonçalves entende que a Câmara de Lisboa “tem de ser um parceiro” dos lojistas do comércio tradicional, “porque o que está em causa é a autenticidade de Lisboa, aquilo que a distingue das demais”. Na sua opinião são casas como a Ginjinha Sem Rival que marcam os turistas e põem Lisboa nos roteiros internacionais, e não "os McDonald’s e estabelecimentos do género".

O empresário conta que na campanha para as eleições locais de Setembro já tinha alertado o presidente da autarquia, António Costa, e o vereador Manuel Salgado para o risco que a loja corria, os quais se mostraram “muito sensibilizados”. Depois de receber a comunicação formal da denúncia do contrato, no fim de Dezembro, Nuno Gonçalves contactou a câmara e o Turismo de Lisboa, estando agora à espera do resultado dessas iniciativas.

Lei devia ser revogada
O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, que enquanto deputado do PS se destacou no combate à actual lei do arrendamento, disse que o caso da Ginjinha Sem Rival mostra que “essa lei devia ser imediatamente revogada”. O autarca classificou a licoraria como “uma instituição e um emblema da cidade” e da freguesia a que preside.

Reagindo também à eventualidade de encerramento da Ginjinha Sem Rival, o movimento cívico Fórum Cidadania remeteu uma carta ao presidente da Câmara de Lisboa em que afirma que, a verificar-se o fecho da casa, "será não só profundamente lamentável, como será mais um péssimo exemplo de má prática camarária em matéria de urbanismo comercial e de defesa e salvaguarda do património cultural da cidade, como assumirá contornos ilegais".

A Plateia do Aplauso, representada pela sociedade de advogados de que é sócio João Pereira da Rosa, antigo presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, afirma, por seu lado, que é sua intenção “respeitar, na íntegra, a decisão de aprovação” da Câmara de Lisboa. "A intenção é reabilitar, conservando o património. A intenção não é destruir nem o património, nem a história, nem a cultura numa zona da cidade de Lisboa que há muito tempo merece que se multipliquem iniciativas semelhantes", salienta a empresa.

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