O que não queremos com a unidade da esquerda

De repente, a unidade da esquerda tornou-se o tema dominante do debate político. Não é, certamente, por acaso. A violência das políticas dominantes em Portugal (e no resto da Europa) atira para o desespero largas camadas da população sedentas de algo de novo à esquerda que as proteja.

Mas a causa próxima deste surto de crónicas e declarações foi a recentemente falhada tentativa de formação de listas conjuntas para as eleições europeias entre Boco de Esquerda e outros grupos associados ao Movimento 3D. Os detalhes dos factos que rodearam esta experiência serão relevantes. Não são, seguramente, os principais responsáveis por aquele falhanço.

Há pelo menos duas formas de fazer unidade com os partidos políticos. Ou estes integram nas suas listas personalidades que lhes são exteriores (vulgarmente designadas independentes) com o objectivo de obter maior abertura, ou procura-se uma solução mais abrangente criando entendimentos ou coligações com outros grupos ou partidos.

O Bloco, estranhamente, adoptou o primeiro procedimento, num momento em que estava profundamente envolvido no Congresso Democrático das Alternativas em termos de elaboração programática e acabou por ser surpreendido por uma proposta pública de unidade. Este foi o seu primeiro erro neste processo.

Acossados e sem iniciativa, os dirigentes do Bloco foram produzindo sucessivas declarações preanunciando o desenlace final e o fracasso. E este terá sido o seu segundo erro, não querendo reconhecer a amplidão do movimento de opinião que urgia estruturar.

Assim se percebe Ana Drago quando afirma “... um modelo de articulação não chegou sequer a ser equacionado – a direcção política do Bloco de Esquerda não se mostrou disponível para iniciar um debate programático com alguns dos possíveis participantes nessa convergência”.

Aquilo que valeria a pena saber é, porquê? Por que razão não se procurou desde o princípio criar as condições para uma candidatura às europeias suficientemente representativa de um leque diversificado de grupos e movimentos, num momento em que o entendimento programático com eles era mais fácil que nunca?

O tempo, como sempre, encarregar-se-á de fornecer a resposta. Façamos votos, entretanto, para que essa resposta nada tenha que ver com a tentativa de empurrar o 3D para os braços de António José Seguro e da política de austeridade, para “clarificar” a situação e erguer o Bloco a partir dos escombros de tal aproximação. Qual processo de destruição criadora, neste caso inspirado de forma mecânica na ruptura que se produziu na Grécia entre Syriza e Dimar.

Primeiro, por que tal aproximação pode nunca chegar a concretizar-se, mesmo admitindo que há quem a deseje. Mas, sobretudo, porque destruir capacidades encaminhando-as para o precipício nunca foi solução para fortalecer a esquerda.

Eis o que não queremos com a unidade de esquerda.

Professor da Universidade de Coimbra

 

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