Este país não é para novos, nem para velhos

Ao fim de cinco anos, disseram-me que o curso acabara. Fiquei sem bolsa de estudos e sem dinheiro. Tinha 22 anos. A cair de teso. Sem um tostão para café ou tabaco. Mais seis longos meses à custa da família que pouco ou nada tinha. Bati a algumas portas de advogados. Estágio sim, mas gratuito. Requerimentos para aqui e para ali.

Num meio dia de princípios de Junho de 1971, recebi uma carta do Ministério da Justiça. Tinha um ofício que transcrevia um despacho do ministro, informava que me tinha nomeado Delegado do Procurador da República interino na comarca de Moimenta da Beira.

A minha vida de magistrado do Ministério Público durante cerca de 42 anos começou aí. Vivia ainda em Lisboa, numa residência universitária. Não tinha a mais ínfima ideia onde ficaria Moimenta da Beira.

Inquiri de um colega mais letrado. Terra de Aquilino Ribeiro, de Quando os Lobos Uivam. Livro proibido que lera às ocultas na faculdade.

Pousei em Moimenta num tarde tórrida de Verão de 1971, após dia e meio de viagens de comboio até à Régua. Depois  carreira. Uma rua, poucas ruelas, um restaurante, o Tamariz, um edifício enorme a cair. Era o tribunal e outras repartições do Estado. No Verão, o meu “gabinete” era de um calor ofegante, povoado por milhões de moscas. No Inverno, um frio gélido, insuportável. Poucos fins-de-semana que a neve impedia o trânsito. Terra de gente simples. Quase todos pobres. Aquilino o descreveu muitas vezes.

Andei por lá uns dois anos. Numa solidão que enganava e amolecia de paleio com o juiz, os funcionários e advogados. Falava com os processos crime, os inventários obrigatórios, as investigações de paternidade, os processos de baldios e comigo. Não havia ninguém. Montanhas de pedras escuras, enormes, esvoaçadas por aves negras, também enormes. Metiam medo. Numa ou outra diligência a Sernancelhe, as pessoas recolhiam a casa, espreitavam pelos buracos feitos janelas. Com razão, que os do tribunal representavam ou eram mesmo o poder.

O Estado era certinho a pagar vencimentos. 

Havia poucos descontos. Para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), sempre. Nunca as Finanças se esqueceram, e bem, de descontar o que iria garantir a minha reforma. Quando chegasse a doente ou o calendário não me permitisse trabalhar com a mesma energia e produtividade.

Foi assim cerca de 42 anos. A remuneração do meu trabalho foi objecto dos descontos que a Lei determinou para a minha reforma. Era o mealheiro, o seguro de vida.

Nunca me passou pela cabeça que um Governo viesse trair o contrato que vigorou mais de 40 anos. Comigo e com milhões de cidadãos, que hoje me tratasse como se tivesse sido um criminoso ao exercer as funções que exerci. Inscrevesse no meu certificado do registo criminal um crime hediondo: “Pensionista”!

A rondar a delinquência, governos sucessivos usaram dezenas de anos a fio, às ocultas, como ladrão, os cofres da CGA para o que lhes apeteceu. Dela retiraram contribuintes. Não entregaram milhares de milhões na mesma como entidade patronal. 

Responsabilizam os pensionistas pelo descalabro que criaram. Sempre ávidos e famintos de cortes e mais cortes nas pensões e reformas!

José Manuel Fernandes, de parceria com Helena Matos, escreveu que Este País Não é Para Jovens. Nem para velhos. É para mercados, bancos, swaps, parcerias público-privadas, perdões fiscais, clientelismos. Negócios sujos.

Procurador-Geral Adjunto

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