Jovens portugueses na Suíça vêem o referendo como uma questão de medo

“Falta de estratégia”, “absurdo político” e “medo que os estrangeiros tragam algo que os suíços não têm”. Assim é descrita a polémica da imigração em massa na Suíça por jovens portugueses qualificados que lá vivem e trabalham, ouvidos pelo P3

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Dado Ruvic/Reuters

O “não” esteve à frente nas sondagens mas, na hora de votar, 50,3% dos eleitores suíços responderam positivamente à questão que o Partido do Povo Suíço (SVP) colocou: “É contra a imigração em massa?”. O governo suíço vê-se assim obrigado a negociar com a União Europeia (UE), nos próximos três anos, a instituição de um número limite de imigrantes autorizados a entrar no país. Como resposta, a União Europeia suspendeu esta segunda-feira os programas Eramus e Horizonte 2020 com a Suíça

 A Suíça não é um Estado-membro da UE, mas desde 1999 que beneficia de um acordo comunitário, no qual “a livre circulação de cidadãos é parte integrante”, sublinhou a porta-voz da Comissão Europeia, Pia Ahrenkilde-Hansen. “Não podemos aceitar restrições como aquela que foi votada no domingo [9 de Fevereiro] sem que isso tenha uma implicação sobre os acordos que temos com a Suíça, como está aliás previsto nesses acordos”, disse.

Mário Rebelo de Sousa e Marta Brandão, dois jovens arquitectos que vivem e trabalham na Suíça há sete anos, olham para este referendo como uma questão de medo. “A imigração na Suíça sempre foi visível, mas a partir do momento em que chegou esta nova geração, mais qualificada, os suíços começaram a sentir-se ameaçados”, refere Mário, de 30 anos, em conversa via Skype com o P3. “Os suíços são conhecidos por serem prudentes, calculistas, racionais, mas acho sinceramente que esta é uma questão humana, de proteccionismo”, continua. Já Marta, de 29, olha para o assunto como “uma falta de estratégia”, que contribui para reforçar a ideia que se tem de que os suíços são “racistas e xenófobos”.

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Os arquitectos Mário e Marta, na Suíça há sete anos, dizem que esta é uma questão humana e não de xenofobia ou racismo.

O casal — que em Portugal é responsável pelo projecto MIMA House — vive em Lausanne, uma cidade “muito aberta” e internacional, onde nunca se sentiram menos bem integrados. Têm amigos suíços e são eles, até, que fomentam a discussão sobre o referendo, sentindo-se desconfortáveis com o resultado. O mesmo aponta Joel Palma, doutorando de Virologia a viver na mesma cidade. “Os meus amigos suíços querem falar disto, também para provarem que nem toda a gente é contra a imigração”, diz.

“Este referendo é um absurdo político”, sublinha Joel, 30 anos, que o compara àquele, realizado em 2009, que proibiu a construção de novos minaretes em mesquitas no país. “É uma forma de os partidos políticos de extrema direita se manterem no activo, de se mostrarem”, analisa; é que na Suíça, 100 mil assinaturas são suficientes para que se convoque um referendo — e, só em 2013, foram onze as consultas públicas a nível nacional. No entanto, Joel acredita que o resultado deste referendo “não vai mudar grande coisa”. Tem a certeza de que “os suíços sabem que precisam dos imigrantes” — não são a “bolha que consegue resistir à crise na Europa”, compara Marta.

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“(...) tudo indica que as quotas não se apliquem a residentes, mesmo que estrangeiros”, diz o engenheiro Nuno Santos.

Opinião pública dividida

Nuno Santos trabalhou no CERN, em Genebra, antes de se fixar em Lausanne, onde reside há vários anos. Sempre se moveu em “ambientes internacionais”, onde o inglês acaba por ser a língua mais falada — prática comum nos meios tecnológicos e científicos —, e considera importante salientar a margem mínima pela qual o “sim” venceu no referendo, prova de que “a opinião pública está dividida”. “Há uma divisão clara entre o voto contra as quotas nas regiões mais urbanizadas, onde existe uma maior percentagem de estrangeiros (Zurique, Vaud, Genebra), e o voto a favor, em regiões mais rurais.”

A divisão regional que este doutorado em engenharia informática, de 35 anos, destaca, é também mencionada por Marta, Mário e Joel. Todos admitem estar “100 por cento integrados” e nenhum se sente ameaçado com o resultado do referendo, apesar de reconhecerem que, a longo prazo, tal imposição de quotas, se aplicada, possa causar “problemas graves à economia, talvez mesmo uma recessão”, sugere Nuno. “Ainda não está nada definido, mas tudo indica que as quotas não se apliquem a residentes, mesmo que estrangeiros”, continua o engenheiro informático.

“Os suíços têm medo que os estrangeiros tragam algo que eles não têm e que é muito solicitado no mercado empresarial: a criatividade, a liberdade de pensamento, a forma astuta como resolvemos um problema. Se a isto associarmos as qualidades que eles próprios nos ensinaram (rigor, eficácia, pontualidade), temos o melhor dos dois mundos”, resume o arquitecto.

A iniciativa do referendo partiu da coligação de movimentos da direita nacionalista e populista e levou às urnas 56,6% de suíços, que se quiseram pronunciar sobre os argumentos contra a “imigração em massa”: ameaça aos postos de trabalho e aos salários, pressão em infra-estruturas e no mercado da habitação, aumento da violência.

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