Em Guimarães a dança não quer perder o norte

O solo do sueco-holandês Jefta van Dinther é uma experiência radical sobre os limites perceptivo-sensoriais.

Fotogaleria
A aposta será obliterar a imagem do intérprete (Jefta van Dinther) num desafiante jogo com o desenho de luz Ivo Hofste
Fotogaleria
Jefta van Dinther Viktor Gardsater
Fotogaleria
Jefta van Dinther Viktor Gardsater
Fotogaleria
Jefta van Dinther Viktor Gardsater
Fotogaleria
Jefta van Dinther Viktor Gardsater
Fotogaleria
Jefta van Dinther Viktor Gardsater
Fotogaleria
Jefta van Dinther Viktor Gardsater
Fotogaleria
Jefta van Dinther Viktor Gardsater
Fotogaleria
Teresa Silva em O Que Fica do Que Passa Joana Patita
Fotogaleria
Teresa Silva em O Que Fica do Que Passa Joana Patita
Fotogaleria
Teresa Silva em O Que Fica do Que Passa Fernando Amaral

Grind (2011), de Jefta van Dinther: 3,5 estrelas. Guimarães, C. Cultural Vila Flor, Pequeno Auditório, 22h. Lotação esgotada O Que Fica do Que Passa (2013), de Teresa Silva e Filipe Pereira: 3 estrelas. Guimarães, Plataforma das Artes e da Criatividade, Blackbox, 19h30. Sala cheia

A vibrante percussão tecno, de elevadíssima voltagem, entranha-se no corpo dos espectadores e na escuridão de breu a envolver o anfiteatro e o palco. Revela-se um vulto humano em cena. Contaminado pela batida electrónica, parece debater-se com um objecto quimérico ou consigo mesmo.

Na hora seguinte, a aposta será obliterar a imagem do intérprete num desafiante jogo com o desenho de luz (Minna Tiikkainen) e som (David Kiers): uma atmosfera psicadélica projecta-nos, em turbilhão, entre o epicentro e a periferia de um ciclone.

O solo do sueco-holandês Jefta van Dinther (n.1980) – nome em ascensão no circuito Estocolmo-Berlim-Amesterdão, prémio de dança da crítica sueca em 2013, pela sua primeira obra, Plateau Effect, para o lendário Ballet Culberg – é uma experiência radical sobre os limites perceptivo-sensoriais.

Curto-circuitados pela luz estroboscópica, movimentos espasmódicos do corpo respondem às cadências sonoras cavas, prolongando a nossa própria pulsação cardíaca. Um inquietante zunido de hélice de helicóptero ou de um insecto gigante sobrevoa-nos com ferocidade. Nos ápices de claridade, entrevemos, diante de um ciclorama branco, a silhueta a arrastar continuamente cabos eléctricos, que enrola em feixe ou iça numa roldana, ou a fazer rodopiar na obscuridade um ameaçador chicote fluorescente, como se de um dervixe do tempo contemporâneo se tratasse.

O exercício sinestésico é exímio e abre um campo associativo: a era pós-industrial tornou-nos reféns dos dispositivos tecnológicos. Mas o ambiente de alta tensão da peça é também um hábil anzol a aprisionar-nos os sentidos a um constante alerta: a intensidade do aqui e agora interfere com a viagem a outros patamares, e o identificar, neste corpo ininterruptamente triturado pela hiperestimulação nervosa e informativa, a tragédia cultural da pós-modernidade.

Num registo muito distinto O Que Fica do Que Passa, da jovem dupla Teresa Silva (n.1988) e Filipe Pereira (n.1986), é um trabalho intimista e plasticamente cuidado. Diante de uma cortina translúcida, feita com largas bandas de papel vegetal verticais ao palco, a intérprete, em silêncio, mobiliza subtilmente partes do corpo e da face. A deslocação do anel de luz sobre a cortina sugere o ciclo solar.

A cortina é içada e forma um toldo, deixando visível uma réplica em folha de alumínio. As expressões faciais, a transitar entre o espanto, o grito (mudo) e a ira, dão origem a um som que não temos a certeza de vir de dentro do corpo. A voz torna-se então num canto que se propaga, agitando a superfície prateada, e mistura-se com acordes do Prelúdio à Sesta de Um Fauno. Num brevíssimo vislumbre final, os dois intérpretes surgem em cena, transportando luxuriantes folhas de bananeira.  

Em foco, o transitório, o rasto das acções, a memória. Coroar a peça com tão solene emblema da história da dança era, porém, um repto elevado, que não tem fundamentos nos alicerces dramatúrgicos da coreografia.

A 4.ª edição do Guidance, assessorada por Rui Horta, denota a vontade de capitalizar o belíssimo legado da Guimarães 2012, superando o pós-parto da Capital da Cultura. Posiciona-se como novo pólo congregador das artes performativas a norte – e no mapa nacional e europeu.
 

O PÚBLICO viajou a convite da Associação Cultural Materiais Diversos

Sugerir correcção
Comentar