Privados elogiam, mas dizem que os utentes pagam mais do que o Estado

Responsáveis dos grupos privados da saúde acreditam que, se a ADSE acabasse, recuperariam parte das receitas em seguros de saúde.

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A ADSE chega a valer 30% das receitas nalguns grupos privados Daniel Rocha

Para os hospitais privados, a ideia de que a ADSE existe apenas para alimentar interesses deste sector é errada. Ainda que reconheçam a importância que o subsistema tem em termos de receitas, que representam em média 30%, uma percentagem que desce para os 10% em grupos como a José de Mello Saúde, defendem que a maior parte das contribuições pertence aos próprios beneficiários, quer pelo que descontam do ordenado, quer pelos co-pagamentos ou pagamentos directos que fazem. O presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada sublinha, por isso, que “o Estado beneficia mais porque recebe duas vezes”.

Artur Osório entende que “se ADSE acabasse, os hospitais públicos entrariam em colapso com as listas de espera” e lembra que, num cenário de fim do subsistema, o Estado não recuperaria os 3,5% que os funcionários públicos vão descontar do seu ordenado para ter acesso à ADSE, pelo que acabaria por suportar tudo só com o que recebe através dos impostos, como acontece com os restantes cidadãos. Além disso, acredita, tal como os grupos Espírito Santo Saúde e José de Mello Saúde, que muitos dos actuais beneficiários, habituados a escolher, acabariam por fazer um seguro de saúde – pelo que o sector privado recuperaria parte das receitas.

O médico e administrador do grupo Trofa Saúde diz que, em termos globais, a ADSE representa 30% da receita total do sector privado, proporcionando “maior rapidez e qualidade” no acesso. Artur Osório garante também que “a burocracia gasta dinheiro” ao sector público de saúde. “Temos muito a louvar ao SNS, mas o sistema estacionou, não evoluiu com a sociedade. Pratica preços elevados, não admite a concorrência nem a liberdade de escolha. Enquanto uma consulta na ADSE fica por 30 euros, nos hospitais públicos o Estado paga quase 140”, exemplifica, defendendo que “a gestão é muito cuidadosa e focada no doente” e que “como as coisas estão agora a ADSE fica excedentária e dá dinheiro ao Estado”.

A ideia é corroborada pela presidente da Espírito Santo Saúde, grupo detentor de unidades como Hospital da Luz, em Lisboa. Isabel Vaz afirma que “com a ADSE as pessoas têm uma dupla cobertura, mas pagam tanto para o subsistema como através dos seus impostos para manterem o acesso ao SNS”. No seu grupo as receitas vindas deste parceiro estão em linha com os 30%. “A ADSE é muito importante para o sector privado, mas não é tudo, e o dinheiro está longe de ser só do Estado. É uma percentagem do ordenado dos trabalhadores que chega aos 70%, o que quer dizer que só os outros 30% são do Estado. Se a isso juntarmos os co-pagamentos e pagamentos directos, diria que a parte do Estado não representa nem 10% das nossas receitas”.

À semelhança de Artur Osório, Isabel Vaz entende que “o fim da ADSE seria uma grande ‘pancada’ no orçamento dos hospitais públicos”, já que “as pessoas deixariam de descontar este valor e ele perdia-se e a despesa teria de ser absorvida pelo SNS”. Questionada sobre se a ADSE, ao facilitar o acesso, não induz também o consumo de serviços de saúde desnecessários e que, nesse sentido, o impacto para o Estado seria menor do que o que apontam, a gestora assegura que “as pessoas estão menos consumistas e que a despesa está estabilizada”.

Ainda que admita que os co-pagamentos baixos podem levar a mais procura, diz que isso só acontece nas consultas, já que as intervenções são mais dispendiosas. “O facto de as pessoas irem a muitas consultas também faz com que as coisas sejam detectadas de início, quando é mais barato tratar”. Isabel Vaz adjectiva a ADSE como “a oferta mais bem balanceada do mercado” e lembra que “não é por acaso que nos CTT, com a privatização, a única coisa que os trabalhadores quiseram manter foi a ADSE”.

O presidente da José de Mello Saúde, grupo detentor dos hospitais CUF, argumenta, por seu lado, que “o tema da ADSE é notícia essencialmente por questões políticas”, dizendo que, ao fazer-se uma análise mais profunda, “percebe-se que a ADSE é para o país um sistema muito interessante, porque garante liberdade de escolha às pessoas, tem financiamento dos beneficiários e contribui para poupar dinheiro ao Estado de forma muito significativa”. Salvador de Mello diz que o subsistema é “um excelente modelo” que merecia ser alargado e afirma que “é muito mais importante para o país do que para os prestadores privados”, apontando que a ADSE “tem uma capitação em custo inferior à capitação do SNS”.

O gestor avança, aliás, que nas unidades do seu grupo o subsistema não chega a significar 10% das receitas, sendo que, ao todo, no ano passado, as unidades facturaram quase 500 milhões de euros (mais 8% do que em 2012). “A ADSE é um excelente parceiro, mas não vivemos disso. O crescimento vem da concentração nos grandes operadores de um conjunto de actividades que estavam dispersos. Temos uma quota de ADSE muito inferior à nossa quota de mercado natural, pois durante muito tempo não tivemos ADSE. Tínhamos uma estratégia diferente. A nossa estratégia eram as companhias de seguros”, sublinha.

Ainda sobre as qualidades do modelo, Salvador de Mello destaca o facto de “introduzir competitividade e concorrência no sistema, através da liberdade de escolha”. “A concorrência é indutora de eficiência e é por isso que digo que é um excelente exemplo. Mas a acontecer o fim da ADSE, nós somos empresários e estamos habituados a gerir em qualquer circunstância e teremos capacidade de adaptação às novas realidades que aparecerem”, conclui.

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