O melhor é fugir

António Capucho acusou na televisão o PSD de ser governado por uma “oligarquia”, sem escrúpulos e sem vergonha. Na impossibilidade de atribuir à palavra “oligarquia” o seu sentido tradicional, é provável que ela se refira a uma espécie de associação que só tem em vista os seus próprios fins (dinheiro e posição) e que exclui os fins e as conveniências do partido e do país.

No mesmo dia, e também na televisão, Pacheco Pereira, usando ainda uma linguagem estalinista, explicou que Passos Coelho tinha organizado uma “fracção” no PSD, financiada por meios que não se recomendam. E o dr. Mário Soares persiste em afirmar que uma parte considerável dos jornalistas se vendeu ao governo. Nem Capucho, nem Pacheco, nem Soares, nem como um todo os jornalistas são personagens menores a que se possa conceder o privilégio da inimputabilidade.

E, no entanto, ninguém protestou ou sequer deu sinais de ouvir e perceber o que diziam deles. Há uma decência básica, ainda comum recentemente, que se perdeu. Um político de uma certa envergadura não se importa que lhe atribuam infâmias de vária espécie e género e nem sequer se dá ao excessivo trabalho de as negar. Faz parte do ofício; e parece que tomar um partido de assalto para exclusivo bem da sua vida e da sua bolsa não passa da ambição normal de qualquer português. A “limpeza” privada e a idoneidade pública de cada um não sofre com a eventual verdade da sua reputação ou com o insulto, a injúria e até a calúnia que diariamente se despejam sobre eles. Os putativos factos revelados por Capucho, Pacheco e pelo dr. Soares não comovem a opinião.

O que mais me intriga, apesar do resto, é a geral atitude de apatia do jornalismo profissional. Não só não acha a “oligarquia” ou a “fracção”, de que Capucho e Pacheco se queixaram, digna de investigação e de comentário, mas não lhes repugna aceitar em silêncio o que os “notáveis” lhes metem pela goela abaixo. Ora este assunto não deve ser tomado como uma opinião trivial a propósito de uma querela partidária, pela simples razão de que afecta o regime inteiro. Como as diatribes do dr. Soares contra a honestidade dos jornalistas não devem ser atribuídas à notória irritação da personagem. Claro que, se Portugal considera normal que pequenos grupos se instalem na direcção de um grande partido, com dinheiros de origem obscura, e concorda que os jornalistas são uma cambada de mercenários, o caso muda de figura. O melhor é fugir.
 

  


 

  



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