Nas mãos de uma refinaria

1 – A refinaria da Galp em Sines vai entrar em obras de manutenção. O que poderia ser uma notícia normal, desejável até, torna-se neste país colado por arames numa preocupação. Porque se a Galp entra em obras talvez não refine a quantidade de crude pesado que pode refinar. E se não refinar, não vende. E se não vende, o desempenho do principal motor da economia portuguesa, as exportações, fica ameaçado. Caso para dizer uma vez mais que nunca tantos dependeram de tão poucos. Dos da Galp, principalmente, responsáveis por 55% do aumento das vendas de Portugal ao estrangeiro. A Galp é muito mais do que uma empresa. É um bálsamo para as expectativas do país, um trunfo do Governo, um remédio para uma “saída limpa” do programa de ajustamento.

Se há hoje um consenso em Portugal, há que encontrá-lo na devoção aos empresários que exportam. Uma devoção justificada. Os patrões das indústrias tradicionais do Norte eram alvo de anedotas com Ferrari e amantes; hoje são génios que fazem sapatos elegantes ou têxteis técnicos. Uma indústria como a da Portucel era objecto de censura pelos danos ao ambiente; hoje é um exemplo de aproveitamento de um recurso natural renovável como o eucalipto. Antes, os patrões foram os párias de uma política económica que privilegiava os sectores protegidos; hoje são os timoneiros de um barco encalhado a ensaiar um regresso ao mar.

Muitos estão no negócio exportador há décadas. Mas, mais de metade do crescimento médio nominal das exportações está nas mãos de empresas que surgiram nos últimos dez anos. São empresas jovens, feitas com quadros mais preparados, que, diz o Banco de Portugal, estão “mais bem adaptadas ao actual padrão de vantagens comparativas da economia”. É impossível não associar esta mudança à melhoria dos índices de educação. Seja na agricultura ou nas indústrias ditas tradicionais, há uma nova geração, mais bem formada e mais cosmopolita, que é capaz de olhar o mundo como um mercado acessível. Portugal está a conseguir exportar mais porque é um país melhor. Ponto.

Nada nos indica, porém, que seja suficientemente bom para manter esta trajectória. Não se pode esperar que as empresas que se estrearam neste negócio na última década (29% do total) sejam capazes de mostrar eternamente altas taxas de crescimento, como esta semana explicava José Ferreira Machado no PÚBLICO. Ainda que o congelamento salarial que deixou o custo de mão-de-obra na indústria aos níveis da Eslováquia ou do Brasil ajude na formação de preços, o custo de financiamento, o dobro do que é concedido à concorrência alemã, é um obstáculo.

De uma certa maneira, Portugal caiu na armadilha do rendimento médio (ou médio-alto, no caso). Por força do euro, é caro de mais para vender produtos de baixo valor acrescentado e sofisticado de menos para concorrer com alemães ou coreanos no segmento dos produtos com incorporação de ciência e tecnologia. O peso da agricultura, das indústrias tradicionais ou dos combustíveis tem crescido nas exportações, mas a quota dos bens com alta incorporação tecnológica tinha caído de 12% em 2000 para 7,2% do total em 2011.

Hoje, muito do sucesso da indústria do papel ou do calçado resulta de apostas que vêm dos tempos do saudoso PEDIP de Mira Amaral. Aos poucos, as empresas vão beneficiando desse processo, mas a narrativa do Magalhães com que José Sócrates tentou vender um admirável mundo novo na economia carece de tempo e de paciência. Enquanto se espera, viveremos com o desempenho da Galp e da miríade de pequenas e grandes empresas que exportam. Sem elas e sem o seu contributo, hoje Portugal seria um país ainda pior.

2 – Os centros e as periferias são conceitos relativos. Os finlandeses, por exemplo, recusam a ideia de que vivem na periferia e situam-se no centro do mundo, a meio caminho entre Nova Iorque e Tóquio. António Costa, porém, não precisa de sair de Lisboa para dizer que o interior de Portugal não é periférico porque está mais perto do coração do mercado ibérico. A ideia, ousada, dá que pensar. Porque, como tese, é moderna — é do tempo das novas auto-estradas físicas e tecnológicas; e porque, como proposta de discussão política, é desafiadora.

Num raio de 50 km a partir das capitais de distrito do interior vivem 3,3 milhões de pessoas. Se reunirmos as populações das autonomias espanholas da fronteira, incluindo a Andaluzia, encontramos o lugar onde vivem uns 14 milhões. Como pode, pois, a proximidade destes destinos significar interioridade?, pergunta António Costa. Por que razão não foi capaz o dito interior de aproveitar estas vantagens para travar a sua desertificação?

A resposta, que António Costa subscreverá, pode encontrar-se nas estratégias que os “interiores” foram capazes de desenvolver. A Galiza era mais pobre do que o Norte na data da integração europeia e hoje é mais rica. Castela e Leão, o mesmo. Andaluzia também. Se o interior português foi incapaz de aproveitar esse ângulo invertido da noção de interioridade, foi porque nunca foi pensado, nunca foi discutido e nunca foi apoiado. Depois do ciclo de infra-estruturação básica, depois de alguns programas desgarrados, o interior tornou-se terreno fértil apenas para a lamúria, o criticismo e a inacção dos Governos.

O problema do interior não é hoje a sua interioridade física. O problema do interior é intelectual. Enquanto galegos ou castelhanos usaram a cabeça para desenvolver fileiras estratégicas, os portugueses deixaram o tempo correr. E porquê? Porque os primeiros tiveram governos regionais democraticamente eleitos para esboçarem políticas à escala dos seus territórios e dos seus problemas. E porque Portugal, ao contrário de todos os países avançados do mundo, continua a não perceber que o princípio da subsidiariedade, que recomenda a resolução dos problemas por instâncias o mais possível perto desses problemas, é fulcral para o desenvolvimento.

O pensamento de António Costa é inspirador por nos permitir acreditar que a decadência de dois terços do país não era, ou não é, uma fatalidade. Ou por nos suscitar a crítica de que a periferia rural de Portugal só o é de facto porque, enredados em preconceitos e em fidelidades a conceitos medievais do Estado, não fazemos a reforma que urge cada vez mais: a da criação de autarquias regionais. 

3 – O Conselho Regional do Norte, um órgão maioritariamente formado por autarcas que funciona sob a égide da CCDRN, exigiu esta semana ao ministro Poiares Maduro que pelo menos 50% dos fundos europeus sejam investidos na região. À partida, não os parece preocupar em quê. Pensar em estratégias e elaborar projectos dá trabalho. O sistema de quotas é sempre mais fácil de gerir. O dinheiro vem, depois logo se vê.
O papel a que se prestaram os membros do Conselho (antecedidos por uma iniciativa idêntica das distritais nortenhas do PS) é, no mínimo, deplorável. No papel de sultões, eles exigem direitos, mas direitos abstractos. Não lhes parece importar que o que vai determinar a distribuição dos cheques é a dinâmica, o mérito e o potencial da economia. No jogo de quem fala mais alto sobre o QREN, não perceberam que a gritaria é, ao contrário da sensatez, contraproducente. 

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