Pais e professores não acreditam que a autonomia da gestão curricular saia do papel

A alteração legislativa causou preocupação às direcções de várias organizações de docentes, embora por razões diversas. Mas, como os sindicatos, também elas acreditam que no terreno nada vai mudar.

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Os professores e os sindicatos acreditam que nada vai mudar Daniel Rocha

A possibilidade de as escolas com autonomia gerirem os currículos e de se especializarem agrada “por princípio” ao presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), mas não à maior parte dos dirigentes de associações de professores ouvidos pelo PÚBLICO, que dizem ter recebido a novidade com “grande preocupação”. Todos, satisfeitos ou não, prevêem, no entanto, o mesmo: que as mudanças não sairão do papel.

 “É politicamente incorrecto pronunciarmo-nos contra a autonomia quando passamos a vida a pedi-la, não é? Mas, neste caso, não pode ser de outra maneira…” comentou ontem Lurdes Figueiral, presidente da Associação de Professores de Matemática. Introduzia, assim, o seu comentário a uma alteração legislativa anunciada nesta quarta-feira e que poupa precisamente aquela disciplina e a de Português, às quais as escolas continuam a ter de atribuir a carga horária total mínima prevista na matriz curricular nacional.

Para as restantes, é diferente. As novas regras determinam que, desde que obtenham o parecer favorável do conselho pedagógico e do conselho geral, as escolas podem gerir os tempos lectivos a atribuir a cada disciplina, criar novas disciplinas e distribuí-las de forma diferente ao longo de cada ciclo. A cada disciplina ou área disciplinar será possível retirar até 25% da carga horária total prevista na matriz nacional para reforçar outras. O limite é que aquelas que venham a ser consideradas menos relevantes mantenham, pelo menos, 45 minutos por semana. Um tipo de flexibilidade que permite a especialização das escolas, que, no limite, podem retirar tempo a disciplinas da área científica para reforçar as de humanidades ou vice-versa. <_o3a_p>

Contactados pelo PÚBLICO, dirigentes de associações de professores de Matemática, Educação Visual e Tecnológica, História, Geografia e Educação Física estiveram de acordo num ponto: a impossibilidade de cumprir um dos requisitos impostos pelo MEC, que determina que, mesmo com uma redução de 25%, em cada disciplina terão de ser cumpridos os programas e as metas.<_o3a_p>

"Um embuste"
“Basta essa condicionante para estarmos a falar de uma falsa autonomia”, disse Emília Lemos, de Geografia. “Um embuste”, resumiu Lurdes Figueiral. “Para além disso, a questão é: quem é que vai dar as aulas das disciplinas a reforçar se o MEC não autoriza contratações?”, perguntaram, desta vez de acordo, os dirigentes da Federação Nacional de Professores (Fenprof) e da Federação Nacional de Educação (FNE), Mário Nogueira e Dias da Silva. “Na prática o MEC está a dar às escolas a liberdade de gerirem a pobreza, ou seja, de gerirem coisa nenhuma”, disse este último.<_o3a_p>

O presidente da Confap, Jorge Ascenção, concorda: “Como o MEC não vai permitir contratar mais professores, nada mudará”. “Com uma agravante”, criticou: “Este pequeno passo, sendo um mau passo, pode servir para a condenar a autonomia perante a opinião pública, já que será fácil dizer, depois, que ela não funcionou”.<_o3a_p>

A simples possibilidade de proceder à especialização chega, no entanto, para preocupar alguns dos dirigentes associativos. Lurdes Figueiral diz que, “a concretizar-se, a especialização criaria grandes desequilíbrios regionais em termos de oferta” e que, “para além disso, seria enorme o risco de as escolas privilegiarem o que muitos pais pensam que é útil, ou seja, as áreas científicas, em detrimento das artes e das humanidades”. O mesmo diz Miguel Barros, de História, que considera que “a escola pública deve servir para, tanto quanto possível, nivelar as diferenças sociais, pelo que a formação de base deve ser idêntica para todas as crianças”.<_o3a_p>

Já o representante das associações de pais não vê, neste aspecto, qualquer problema. “Por que é que uma escola que no secundário tem a maior parte dos alunos na área da Saúde não há-de investir mais nas ciências e nas físico-químicas a nível do ensino básico, em detrimento de outras disciplinas?”<_o3a_p>

Há ainda quem tema consequências desde já. Emília Lemos teme que as escolas “aproveitem a falta de professores de Geografia nos quadros para reduzir o tempo destinado à disciplina”. E João Lourenço, de Educação Física diz, que, “devido à desvalorização sistemática dessa disciplina” (que perdeu tempo na matriz e deixou de ter influência nas médias de acesso ao ensino superior) “os directores podem escolhê-la como alvo”, para reforçar outras.<_o3a_p>

Pelo contrário, José Alberto Rodrigues, de Educação Visual e Tecnológica, afirma que “as circunstâncias são favoráveis” aos professores daquelas áreas”, que graças à última revisão curricular engrossaram a percentagem de docentes do quadro sem componente lectiva. “Na lógica de poupança e de gestão dos meios disponíveis, os directores serão tentados a apostar nas nestas disciplinas…”, considera.

<_o3a_p>Nesta quinta-feira, os próprios directores escolares colocaram reservas ao conteúdo da portaria.

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