Uma “extraordinária” testemunha do século XX revisitada

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HENRI CARTIER BRESSON/MAGNUM PHOTOS/?CORTESIA FONDATION HENRI CARTIER-BRESSON

Uma multidão procura comprar ouro nos últimos dias do Kuomintang, em Xangai: Cartier-Bresson foi um viajante incansável

Henri Cartier-Bresson morreu em 2004, aos 95 anos, e passou boa parte da vida a fotografar, criando um amplo e diversificado corpo de trabalhos que nos dá uma visão muito pessoal do que foi o século XX em todas as suas convulsões. Uma obra que foi já extensamente dissecada, que deixou lastro na actividade de muitos dos grandes fotojornalistas que se seguiram a este francês a quem devemos “o instante decisivo”, e que prova sem dificuldades que há um antes e um depois de Cartier-Bresson.

O Centro Georges Pompidou, em Paris, acaba justamente de inaugurar, anteontem, uma grande retrospectiva do fotógrafo, a primeira na Europa desde a sua morte. A exposição, organizada cronologicamente, pretende mostrar Cartier-Bresson não esquece os ícones que deixou na fotografia, mas mostra também trabalhos menos conhecidos, alguns no domínio da pintura, do desenho e do cinema (chegou a ser assistente de realização de Jean Renoir). Aproveitando o trabalho realizado nos últimos dez anos pela sua fundação no que toca ao arquivo pessoal (hoje estão acessíveis aos investigadores cartas, cadernos de notas e publicações que lhe pertenciam), o Pompidou procura dar uma perspectiva mais abrangente da obra do artista, explorando a sua relação com a imagem como um todo, o que leva, irremediavelmente, a uma reflexão sobre o que procurava na fotografia.

O primeiro núcleo desta mostra que leva apenas o nome do fotógrafo vai de 1926 a 1935 e destaca a sua ligação ao grupo dos surrealistas e as viagens pela Europa, pelo México e pelos Estados Unidos. No segundo (1936-1946), privilegia-se o lado político — a luta contra o fascismo, a participação na imprensa comunista, a cobertura da Segunda Guerra Mundial. 1947 marca o arranque do último módulo — com a criação da agência de fotojornalismo Magnum, ainda hoje uma das mais respeitadas do mundo (Bresson fez parte do grupo fundador com três outros grandes fotógrafos: Robert Capa, George Rodger e David “Chim” Seymour) —, que termina no começo da década de 1970, quando abandona a reportagem.

Quem atravessar todas as galerias atravessará o século XX, do movimento surrealista à Guerra Civil de Espanha, dos dois conflitos mundiais ao Maio de 68, passando pela ex-URSS, pelo funeral de Gandhi, pela morte de Estaline ou pelo doloroso processo de descolonização. “Cartier-Bresson é o único dos grandes fotógrafos de cuja obra se pode dizer que é uma história pessoal do século XX”, disse Peter Galassi, comissário da retrospectiva que o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque lhe dedicou em 1987, lembrado pelo diário espanhol ABC.

O responsável pela exposição do Pompidou, Clément Chéroux, explica que tem três grandes objectivos: mostrar, rejeitando mitos e lugares-comuns, como Cartier-Bresson se formou no contacto com a geometria e a pintura, essenciais ao seu sentido de composição; “recontextualizar” os vários períodos da sua obra; e demonstrar como ela constitui um “testemunho extraordinário” do século XX. “Estas três perspectivas permitem compreendê-lo em toda a sua complexidade, iluminando a diversidade da sua obra.” Depois de Paris, onde pode ser vista até 9 de Junho, a exposição segue para a Fundación Mapfre, em Madrid. 

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