Penetrando por você

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Ricardo Almeida

Em menos de um ano, os Sensible Soccers geraram seguidores indefectíveis e um universo em que dança, rock, funk e música atmosférica batem certo. Mas bonito, bonito era penetratrem no "mainstream"

Um pequeno furacão chegou esta semana às lojas — e chega este sábado, 15, à ZDB em Lisboa (concerto às 22h, primeira parte com Quelle Dead Gazelle). Não atirou prateleiras ao chão nem escaqueirou montras, mas desarrumou a cabeça de muita gente — visto ser um objecto tão inesperado e tão inclassificável que nem sabemos bem o que fazer com ele. O epicentro deste fenómeno — 8, o primeiro longa-duração de um quarteto chamado Sensible Soccers — não é Nova Iorque, nem Tóquio, nem Berlim nem Paris, antes Fornelo, a aldeia nas imediações de Vila do Conde onde a banda ensaia. E nem sequer se pode dizer que isto seja completamente inesperado: há cerca de ano e meio que, faixa aqui, faixa ali, eles vinham deixando água na boca dos mais diferentes melómanos: geeks informáticos de Ponte de Lima, professores de Tomar, ex-namoradas de jornalistas admiráveis.

Há coisa de seis meses, veio o caso que os transformou de nanoculto cultivado nos entrefolhos da Internet em miniculto cultivado em zonas menos obscuras da fibra óptica: uma simples canção, minimal e repetitiva, de seu nome Sofrendo por você (um achado), com um vídeo inesperado em que uma data de homens estranhos começam, um a um, a dançar da forma mais esquisita imaginável. Fosse do vídeo, fosse do tema, de repente aquela simpática rede de amigos do Facebook que nunca vimos à nossa frente não falava de outra coisa. “Acho que ninguém esperava por um vídeo como o Sofrendo por você”, reflecte Emanuel, baixo e guitarra do quarteto. “Um plano fixo feito com câmaras dos anos 1990 e aquelas personagens incomuns em frente a uma fábrica abandonada na estrada nacional para a Trofa.” Escrito e realizado por Hugo (teclados e programações), feito com material gentilmente cedido, com amigos a dançar e a banda a ajudar nas gravações, o vídeo de Sofrendo por você repete uma constante do percurso dos Sensible Soccers: eles fazem tudo, mas sempre com tudo emprestado.

Quatro amigos de infância que sempre sonharam em conjunto atingir o estrelato pop, portanto? Nem por isso: Emanuel, com quem falámos ao telefone, e Filipe (guitarra) são de São João da Madeira, Hugo e Né (vozes, instrumentação vária) são de Vila de Conde. Cada um mora numa terra diferente, daí Fornelo como quartel-general: fica a meio do caminho. Emanuel e Filipe são “amigos de adolescência”, Hugo e Né também; entretanto, Emanuel foi para Coimbra e aí conheceu Hugo, com quem começou a passar música na RUC, uma entidade de serviço público que merecia um par de comendas. Por fim, os dois pares de amigos tornaram-se os Sensible Soccers: “Nós existimos como banda mais ou menos a sério desde 2010 — mas a ideia vinha de 2008 e o nome já estava escolhido. O Hugo tinha começado a brincar com o computador, fez umas demos e pediu para eu acrescentar baixos e guitarras. Como o Filipe tinha um estúdio no Centro Comercial Stop [no Porto], começámos a ensaiar lá e acabámos em quarteto.”

Mas estas amizades não são fundadas nas oh tão lindas memórias de juventude. O que une os Sensible Soccers é a paixão irreprimível pela música: “Quando conheci o Hugo ele estava a passar o Blue monday. Fui logo falar com ele”, explica Emanuel. É mesmo isso: estes moços são “tolinhos da música”, aquele tipo de rapazes com quem se pode discutir um tema de blues de 1945 ou aquele single disco obscuro da década de 1970. “Gosto de coisas muito diversas, sim: gosto dos Konk, adoro a cena noise de Nova Iorque. Gostamos de hip-hop, de William Basinski, dos Stereolab — muita coisa.” 

Vontade de fazer

Essa muita coisa nota-se na salgalhada que é 8, um disco que, paradoxalmente, consegue manter coerência apesar de disparar em várias direcções: há órgãos planantes que lembram os Tangerine Dream, funk branco, e, acima de tudo, canções que ecoam a célebre exigência de Martin Hannett, produtor dos Joy Division, ao baterista da banda: “Play faster, but slower”. Tudo nos Sensible Soccers parece ser tocado devagar, por entre névoas de marijuana; quando se dá por ela, há MDMA na língua e o corpo mexe e remexe. 

“Confesso que não sei bem que [tipo de música] temos vontade de fazer. Sei que é um cliché, mas acima de tudo temos vontade de fazer música. É claro, por exemplo, que todos temos uma ligação à canção tradicional, mas até ao momento não é algo que tenhamos feito. Fomos mesmo experimentando de forma inconsciente e isso leva-nos a fazer coisas muito diferentes”, dizem. Essa diferença nota-se, por exemplo, do disco para os concertos. “Ao vivo somos uma banda mais directa e mais intensa. No disco também há vontade de fazer dançar, mas ao vivo gostamos mesmo de ver pessoas a mexerem-se à nossa frente — as pessoas trazem um apelo mais físico à música.”

E se ao vivo as pessoas podem experimentar os inimitáveis passos de dança das personagens do vídeo de Sofrendo por você, em disco não — a canção, que é, até ao momento, o maior êxito dos Sensible Soccers ficou de fora, o que deixou abismados os, vá, 500 fãs da banda (ou mais: eles têm culto na Galiza e este Verão darão concertos fora da península Ibérica). “Algumas pessoas pensam que não pusemos o tema no disco por birra em reacção ao reconhecimento que teve, e sei que é estranho ter ficado de fora, mas nunca esteve previsto que entrasse no álbum. Aliás, o simples facto de existir é quase um milagre: começámo-la há dois anos e meio, demos-lhe muitas voltas e quando finalmente encontrámos um registo de que gostámos pusemo-la cá fora. Mas nessa altura o disco já estava gravado”, justificam. E não vale a pena sofrer por uma canção ficar de fora quando há outras melhores lá dentro: seja a dança sintética de Sob Evariste Dibo, o proto-funk de Manuel, a melodia de Ulrike, house e shoegazing, tudo na Moulinex até ficar um todo uniforme. 

“Não somos uma banda para penetrar no mainstream”, reflecte Emanuel, “mas rapidamente tivemos seguidores. Éramos muito frágeis ao vivo, mas sentimo-nos muito acarinhados e fomos avançando e experimentando”. E é isso que a melhor coisa que aconteceu na música portuguesa desde a reforma de B Fachada vai continuar a fazer: experimentar por você, penetrar por você.

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