ICA aprovou júris para concursos sem analisar currículos

Realizador António-Pedro Vasconcelos defende que decisões são ilegais porque a lei prevê que as propostas sejam dos membros de uma secção especializada e não do ICA.

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António-Pedro Vasconcelos Fernando Veludo

O Instituto do Cinema e do Audiovisual aprovou na passada semana os elementos que compõem os júris dos 21 concursos deste ano para apoio financeiro à actividade cinematográfica e audiovisual sem analisar currículos ou sem contactar os nomeados para averiguar da sua disponibilidade para participar nos júris.

O processo está a merecer a contestação de alguns membros da Secção Especializada do Cinema e do Audiovisual (SECA), que é a entidade responsável por propor e votar os nomes. Ao PÚBLICO, o cineasta António-Pedro Vasconcelos e outros dois membros da SECA disseram estar-se perante uma situação “ilegal”. Há mesmo a possibilidade de aparecerem impugnações a estas votações uma vez que, como alguns defenderam na reunião, é preferível atrasar mais algumas semanas a escolha dos júris do que depois os resultados dos concursos serem impugnados pelos derrotados alegando irregularidades no processo dos júris.

Em declarações ao PÚBLICO, o cineasta argumenta que a votação dos elementos dos júris foi feita em bloco para cada um dos concursos, quando deveriam ter sido escolhidos um a um os elementos, e nem sequer ficou estipulado o tamanho de cada júri e quais eram os membros efectivos e os suplentes. Ou seja, apesar da votação, não se sabe a real composição dos júris, quando a lei determina que os jurados sejam claramente identificados na votação.

Além disso, descreve António-Pedro Vasconcelos, a eleição foi feita sem que se conhecessem os currículos dos membros a eleger e sem os nomeados terem sido contactados, a que se soma o facto de as listas terem sido apresentadas pelo ICA e não pelos membros da SECA, como determina a lei.

Questionada pelo PÚBLICO, a direcção do ICA contou que foi previamente pedida aos membros da SECA que indicassem elementos das suas áreas que “reuniriam condições para integrar os respectivos júris” e que verificassem a sua “disponibilidade para o desempenho dessa função”. Assim, os novos que a presidente do ICA levou à votação “foram os apresentados pelos membros da SECA, os quais foram aprovados por maioria”.

Sobre a falta de informação curricular dos nomes postos à votação, o ICA diz que “foi deliberado que sempre que fosse solicitada informação sobre uma individualidade”, os esclarecimentos seriam prestados por quem o propusera. E se o jurado nomeado não aceitasse o cargo, seria incumbência do ICA indicar um substituto e os membros da SECA teriam que dizer em 24 horas se o aceitavam ou não.

De acordo com a descrição feita ao PÚBLICO por outros dois representantes de entidades com assento na SECA que não quiseram ser identificados, a reunião que se realizou dia 4 foi conduzida pela nova presidente do ICA, Filomena Serras Pereira, e logo na apresentação da primeira lista à votação, para o concurso de Escrita e Desenvolvimento, levantou celeuma: a maioria dos jurados propostos eram nomes desconhecidos para os membros da SECA e incluía um, o de Manuel Fonseca (antigo director da SIC), que já havia sido contactado e declinado o convite. A assistência reclamou por estar a votar nomes sem conhecer os seus currículos para poder fazer uma avaliação criteriosa do percurso profissional dos escolhidos e da sua adequação à função de jurado. Apesar de alguns membros, como António-Pedro Vasconcelos terem proposto adiar a reunião por uma semana para que se pudesse juntar a informação, a ideia foi rejeitada.

À segunda votação, para o concurso Escrita e Desenvolvimento, cuja lista foi reprovada por seis votos a favor, sete contra e sete abstenções, a confusão instalou-se: uns defenderam a suspensão da eleição e outros a conclusão do processo alegando que já leva vários meses de atraso e que a SECA nem sequer deveria pronunciar-se sobre a constituição dos júris. A presidente do ICA decidiu levar a votação por diante, tendo António-Pedro Vasconcelos abandonado a sala e outros membros avisado que votariam contra todas as listas.

“A presidente nem sequer explicou quais os critérios que presidiram à indicação daquelas pessoas, não identificou quem eram os jurados efectivos e os suplentes; apenas deu listas por ordem alfabética de oito nomes numa imposição de pegar ou largar”, afirma o cineasta, que critica a inclusão nos jurados de “pessoas sem quaisquer qualificações para avaliar cinema e audiovisual ou até mesmo de um padre”. Os representantes do sector, que integram a SECA “acabaram por votar em pessoas que desconhecem. Isto é completamente absurdo”, vinca.

Margarida Gil, da Associação Portuguesa de Realizadores, confirmou ao PÚBLICO as descrições e diz ter votado a favor numas listas e se abstido noutras “pela pressão”, justificando com a crise no sector. “Havia uma grande pressão nesta reunião: ou se aprovava uma lista de jurados ou não havia concursos em breve. [No sector] há muita gente sem trabalho, alguns quase a falir, e essa situação foi determinante para muita gente.” Incomoda-a não saber quem será o júri nas suas áreas e até ter jurados que não têm nada a ver com o cinema. “Foi uma extracção da lotaria. Mas tivemos que aceitar jogar um jogo manifestando a nossa total discordância.”

Salientando que a APR “não concorda com as actuais regras para escolha de júris determinada pela nova lei do Cinema”, Margarida Gil diz que a SECA “deve ter funções meramente consultivas e não deliberativas porque senão é um lobbying legal, que é meio caminho para a corrupção”. Mais: a SECA “é um saco de gatos, um lobby em que cada um tende a apresentar nomes que sabe que lhe vão dar apoios”.

Entre outros concursos de apoio estão os de curtas e longas metragens, primeiras obras, animação, escrita para animação, escrita para audiovisual e multimédia, apoio para festivais, internacionalização, cineclubes e cooperação com PALOP. O secretário de Estado da Cultura anunciou esta quarta-feira no Parlamento que os concursos de apoios para este ano, que abrem em Março, terão 14,984 milhões de euros para distribuir (mais 4,8 milhões do que em 2013).

António-Pedro Vasconcelos, que é membro convidado da SECA por ter reconhecido mérito no sector, e que integra a ARCA – Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisuais, enviara antes da reunião uma carta à presidente do ICA com propostas de nomes para o júri, como determina a lei e, no mesmo documento, realçou discordar da política de subsídios tal como está definida e defendeu que para reduzir a dependência do Estado, o financiamento e a avaliação deveria estar mais dependente dos próprios agentes da comercialização e os critérios para avaliação nos concursos deveriam incluir também as garantias e financiamentos previamente assegurados pelo produtor.

 

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