Concurso para três vagas de cientista do regime

Medida contribuirá para o exercício do contraditório sobre a política de ciência e tecnologia deste Governo.

Face à enorme dificuldade em obter um núcleo duro e coeso de cientistas que voluntariamente dêem a cara pela política de ciência e tecnologia vigente, e respeitando a política de transparência que as contratações públicas exigem, foi decidido proceder à abertura de um procedimento concursal para o preenchimento de três vagas de cientista do regime. Esta medida contribuirá de forma determinante para o exercício do contraditório, tão necessário ao debate democrático nas sociedades modernas em que orgulhosamente nos incluímos.

Descrição detalhada das vagas (M/F):

1. Professor que veio de fora – Será o chefe dos cientistas do regime. O perfil desejável é o de alguém que venha de fora directamente para estas funções. A notoriedade que não conseguiu atingir fora dos meios científicos, tê-la-á agora, cá dentro. Tal como o Álvaro quando chegou, terá um à-vontade excessivo, pedindo insistentemente que o tratem pelo nome, mas virar-se-á para trás assim que ouvir a palavra professor. Terá dificuldade em utilizar os equivalentes portugueses de borderline ou threshold, e a palavra post-doc sair-lhe-á sempre com pronúncia inglesa.

Será a personalidade de reconhecido mérito internacional que presidirá a um conselho consultivo independente que opinará sobre a política de ciência e tecnologia, demonstrando assim a abertura política neste sector aos seus intervenientes. A sua tarefa será articular as recomendações do órgão a que preside com a tutela, de forma a manter a harmonia política desejável ao progresso da ciência. O seu currículo científico irrepreensível, que deverá ser ajustado no caso de ter sido exclusivamente construído à custa de fundos públicos, ainda que estrangeiros, será o melhor escudo à prova de críticas, e uma arma de arremesso no debate político com a oposição. Deverá ter o “espírito de missão” e a “retribuição de tudo o que o país lhe deu” como principais motivos para ter aceitado este enorme desafio.

2. Jovem cientista empreendedor – Esta vaga é baseada no jovem empreendedor do Relvas, mas em versão cientista. De ar leve, bem-disposto, sempre com uma inofensiva graçola de oportunidade na ponta da língua, o candidato deverá ter um primeiro ciclo científico qualquer ao qual adicionou um segundo ciclo de empreendedorismo com um nome inglês, apesar de dado em Portugal, por universidades portuguesas, para alunos portugueses e em português.

Terá no currículo a formação de algumas start-ups e spin-offs, e um projecto-bandeira, uma ideia de negócio que estaria a implementar antes de assumir estas funções, e que apresentará insistentemente como exemplo para os cientistas mais jovens. É desejável que envolva um Produto de Interesse Nacional (PIN), como o bacalhau ou a cortiça, entre outros. Referirá reiteradamente que o seu segredo, que quer partilhar com todos, é aliar aos seus sólidos conhecimentos científicos obtidos em três anos o espírito empreendedor e a vontade de vencer, aos quais junta aquele pingo de irreverência própria da juventude. As palavras-chave em cada intervenção serão: acordo de parceria, Horizonte 2020, postos de trabalho e patentes. Recomenda-se que o candidato tenha idade não superior à do primeiro-ministro.

3. Cientista divulgador de ciência – Quem preencher esta vaga trabalhará em total sintonia com a tutela da propaganda, e ser-lhe-ão fornecidos os meios para que demonstre que não será necessário qualquer investimento em comunicação directamente nas instituições científicas. Tudo o que o cidadão comum necessite de saber sobre ciência será centralizado neste quadro e por ele transmitido. É, portanto, um cargo de alta responsabilidade. A ideia, que teve de ser reformulada depois do inconseguimento dos briefings diários do Governo, é ter um pequeno tempo de antena periódico onde se demonstrará que é possível e desejável ter uma ciência aplicada directamente ao serviço da economia, com visitas às inúmeras empresas que investem em investigação e desenvolvimento, apostando na formação científica dos seu quadros, preferindo sempre a tecnologia desenvolvida em Portugal.

O propósito de ser um cientista a preencher esta vaga é que certamente vai ter muito mais facilidade em compreender as explicações sobre a tecnologia de ponta desenvolvida nas empresas visitadas. Desprovido de complexos ao utilizar o ar paternalista que convém à propriedade com que fala, o cientista divulgador de ciência procurará fomentar diálogos com os cientistas das empresas que levem o cidadão comum a sentir-se um entre pares, como nas “conversas de escritores” de José Rodrigues dos Santos. Este posto de trabalho cessa automaticamente quando todas as empresas portuguesas que investem em ciência forem visitadas.

Não sendo um verdadeiro triunvirato, porque o professor é que mandará quando for preciso, este trio colmatará a lacuna existente, ficando assim asseguradas as respostas que se exigem sobre as linhas fundamentais da política de ciência e tecnologia deste Governo.

Biólogo

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